Desde o advento do Código de Processo Civil de 2015, tem-se discutido a possibilidade da adoção de medidas criativas e mais proativas pelos juízes para garantir a efetividade dos processos de execução, com base no art. 139, IV, que assim dispõe:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”
Dentre as medidas, a prática forense tem requerido desde o bloqueio dos cartões de crédito do devedor à suspensão de sua carteira nacional de habilitação (CNH) e do seu passaporte. De fato, a atipicidade das medidas previstas pelo dispositivo transcrito permite que sejam requeridas das mais variadas formas, de modo flexível, diante das peculiaridades de cada caso.
Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso em Habeas Corpus nº 97.876/SP, considerou que a suspensão da CNH do devedor executado foi medida lícita e adequada em virtude de este não ter efetuado o pagamento nem ofertado bens à penhora.
Para o relator, Ministro Luis Felipe Salomão, a suspensão da CNH não configura restrição ilegal à liberdade constitucional de locomoção, pois o detentor da habilitação continua com sua capacidade de ir e vir para qualquer lugar assegurada, desde que não o faça como condutor do veículo. Pode, portanto, utilizar-se de transportes públicos ou privados, ou mesmo fazê-lo a pé.
Nas palavras do ministro, entender em sentido contrário seria o mesmo que dizer que todos aqueles que não detém a habilitação para dirigir estariam constrangidos em sua locomoção.
Por outro lado, a Quarta Turma do STJ considerou ilegal e arbitráriaa suspensão do passaporte ao examinar o referido caso, pois restou ferido o direito fundamental de ir e vir do executado de forma desproporcional e não razoável. Segundo sustentado pelo voto do ministro relator, a liberdade de locomoção do executado deve ser plena (art. 5º, incisos XV e LIV), direito que se mostra restringido pela apreensão do passaporte, pois impossibilita o acesso do cidadão a outros países.
Ainda, destacou-se que, ao aplicar as medidas atípicas de execução, o juiz não deve ter em mira apenas a efetividade processual, mas também os fins sociais e as exigências do bem comum, devendo resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Deve, dessa forma, considerar o ordenamento jurídico em sua totalidade.
Como as medidas do art. 139, IV, do CPC/15 são apenas ferramentas para assegurar o cumprimento de determinada ordem judicial, não se pode tê-las como um fim em si mesmo. Daí a necessidade de se verificar se, no caso concreto, de fato são efetivas para forçar o devedor a cumprir com a obrigação de pagar, evitando-se arbitrariedades e exageros.
Portanto, a proporcionalidade e a razoabilidade devem imperar em qualquer determinação nesse sentido. A medida deferida deve ser adequada e proporcional, e sopesada com o princípio da menor onerosidade para o devedor (art. 805, do CPC/15).
A subsidiariedade dessas providências também é requisito a ser observado. Isto é: somente é possível o deferimento de medidas atípicas quando os meios típicos de execução do art. 824 do CPC/15 já tiverem se esgotado sem sucesso. De fato, se, após intimado a pagar, o devedor não o tenha feito, nem nomeado bens à penhora, a adoção de medidas coercitivas é razoável para se combater o inadimplemento.
Deve-se atentar ainda para que a medida deferida não seja discricionária, materialize o contraditório prévio entre as partes e seja devidamente fundamentada, sob pena de nulidade à luz do art. 489 do CPC/15.
Ademais, como destacado pela Quarta Turma do STJ no julgamento citado, as medidas atípicas devem ser entendidas apenas como coercitivas, isto é, voltadas ao convencimento do devedor ao cumprimento da obrigação. Não podem, nunca, ser transformadas em medidas punitivas, impostas ao executado pelos descumprimentos ao longo do processo.
Por fim, nunca é demais ressaltar que as medidas atípicas devem observar todas as nuances do caso concreto. Tanto é assim que o Ministro Luis Felipe Salomão asseverou, em seu voto, que a suspensão da CNH naquele caso específico não poderia ser tomada de modo genérico para todos os outros casos em que tenha sido requerida. Cite-se o exemplo de devedor que precisa de sua CNH para exercício da profissão: a princípio, não seria razoável retirar-lhe seu direito constitucional ao trabalho para assegurar a efetividade de um processo.
Por outro lado, se o devedor demonstra sinais de ocultação de bens e manutenção de padrão de vida incompatível com a postura de inadimplemento, a suspensão da CNH é medida razoável e merece aplicação.
Guilherme Vinseiro Martins