A prerrogativa discricionária do gestor em exigir amostra ou prova de conceito sem prévia previsão no edital da licitação

Em passado não tão remoto, muitas dúvidas surgiram sobre a possibilidade de a Administração Pública exigir amostras ou realizar a “prova de conceito” para atestar a qualidade do produto ou serviço a ser oferecido pelo licitante declarado vencedor do certame, anteriormente à contratação, considerando a inexistência de previsão legal sobre esse procedimento. Havendo previsão editalícia acerca da prova de conceito, sua realização é imprescindível e obrigatória para o gestor público licitante.

Ainda hoje, muitas dúvidas surgem quando se torna conveniente ou necessária a realização do teste de amostragem do licitante, quando não há qualquer previsão editalícia a respeito. Vários posicionamentos de tribunais de contas fazem induzir no sentido de que a realização da prova de conceito somente é permitida quando prevista no Edital, à luz de princípios da isonomia e julgamento objetivo.

Contudo, nos resistimos a assumir essa posição, nada menos, em consideração aos objetivos desse procedimento fiscalizatório para o bom atendimento dos fundamentos da licitação.

A exigência de amostra, ou “prova de conceito”, é medida que, nos termos do entendimento pacificado das cortes de contas, pode ser exigida apenas do licitante declarado vencedor, seja em qualquer modalidade de licitação prevista na Lei n. 8.666/1993, seja na modalidade do Pregão.

Segundo conceitua o art. 2º, XXV, da Instrução Normativa nº 4, de 11 de setembro de 2014, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, “Prova de Conceito” é a “amostra a ser fornecida pelo licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar para realização dos testes necessários à verificação do atendimento às especificações técnicas definidas no Termo de Referência ou Projeto Básico”.

Em poucos anos, havia certa resistência jurisprudencial acerca da possibilidade de realização desse tipo de procedimento prévio em licitações na modalidade pregão. Contudo, o Tribunal de Contas da União pacificou o entendimento acerca da imprescindibilidade da avaliação de amostras nos Pregões, que somente deve ser exigida na fase de classificação e apenas do licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar, após a etapa de lances.

Todos os posicionamentos jurisprudenciais, que se pautam pela imprescindibilidade desse procedimento, partem da premissa de que a realização da prova de conceito se fundamenta no dever do gestor em se buscar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, cujo munus não pode ser prescindido em qualquer certame público.

Com efeito, sabe-se que ao Estado (sentido lato), enquanto ente soberano, é atribuído uma função inescapável: a busca incondicional do atendimento ao interesse público. Para tanto, ao Estado é atribuído uma série de poderes e deveres que devem ser utilizados sempre que o interesse da coletividade assim o demandar.

Tais atribuições e poderes decorrem de um plexo normativo, típicos da atividade administrativa do Estado, que consubstanciam o conhecido “regime jurídico-administrativo”. Segundo a tradicional doutrina administrativista, esse regime se divide em dois “grandes” princípios norteadores: (i) a supremacia do interesse público sobre o privado e (ii) a indisponibilidade, pela Administração Pública, dos interesses públicos.

O segundo princípio (indisponibilidade do interesse público) implica na obrigação de a Administração sempre buscar o interesse público e de adotar condutas que visem resguardá-lo, dentre eles, obrigações de prestação de contas, a necessidade de realização de concurso público e, no caso, a obrigação de adotar o procedimento licitatório como condição para efetuar contratações.

A licitação pública é um procedimento obrigatório, ressalvado casos expressamente descritos em lei, pois tem como um dos objetivos tentar obter a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (princípio da indisponibilidade, pela Administração, do interesse público).

No caso, a proposta mais vantajosa não é aquela que possua o menor preço, mas sim, aquela que, comprovado o atendimento aos requisitos técnicos da contratação, possua o menor preço. Por isso, o gestor deve buscar mecanismos para tentar prezar-se pela qualidade e eficiência da contratação.

Nesse sentido, de acordo com o TCU (Acórdão nº 1.215/2009 – TCU – Plenário), é recorrente o problema de entrega de bens e suprimentos de TI de qualidade duvidosa ou inservíveis para a Administração, considerando apenas a utilização unicamente do critério do menor preço. Por isso, é inegável que a prova de conceito é uma medida essencial de que dispõe o gestor para assegurar a eficácia da contratação.

Por outro lado, é totalmente temerária e prejudicial aos interesses da Administração deixar para fazer essa verificação de adequação técnica após a contratação, especialmente quando o escopo é o fornecimento de soluções de TI. Isso, porque se demandará muito mais tempo, esforço e oneração financeira a realização de aplicação de penalidades, rescisão e realização de nova licitação, para suprir a necessidade de Administração.

Com efeito, postergar essa verificação para depois da efetivação da contratação é medida que vai ao encontro do fundamento da licitação, de se buscar a proposta mais vantajosa, já que o saneamento da irregularidade irá demandas longos e imprevisíveis atrasos, aumentando muito os custos com a pretendida execução do objeto contratual.

É por essa razão que os tribunais de contas recomentam, sempre, que haja a previsão no Edital acerca da exigência de prova de conceito do licitante melhor classificado em um Pregão, quando se tratar de solução de TI, como é o presente caso. E, quando estiver previsto no Edital, a realização de tal procedimento é medida obrigatória.

Porém, quando não há previsão editalícia acerca da exigência da prova de conceito, ou de amostra, contudo se o próprio Edital ou termo de referência apresentam todos os parâmetros objetivos para avaliação das especificações técnicas mínimas para aceitabilidade da solução proposta, o gestor possui a discricionariedade na realização desse procedimento, de acordo com condições e prazos a serem exigidos de forma isonômica a todos que tiverem que se submeter a esse procedimento de verificação.

A realização da prova de conceito, fundado em critérios de conveniência e oportunidade, se fundamenta no dever legal do gestor, previsto no art. 43, IV, da Lei nº 8.666/1993, de “verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital”, o qual se aplica também ao procedimento do pregão subsidiariamente, por aplicação do art. 9º, da Lei n. 10.520/2002.

Isso, sem mencionar a prerrogativa discricionária, prevista no art. 43, §1º, da Lei n. 8.666/1993, “a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta”.

Tanto é assim que a aludida Instrução Normativa nº 4, de 11 de setembro de 2014, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão prevê a necessidade de se impor a obrigação de o licitante “fornecer, sempre que solicitado, amostra para realização de Prova de Conceito para fins de comprovação de atendimento das especificações técnicas” (art. 18, II, “h”).

Enfim, mostrando-se necessária ou conveniente a realização de prova de conceito, mesmo quando não haja previsão editalícia, entendemos que é possível [e necessária, em vista do princípio da indisponibilidade do interesse público sobre o privado] a realização da prova de conceito, já que o fundamento apriorístico da licitação não pode ser prescindido em qualquer momento da licitação.

Isso, desde que respeitado parâmetros objetivos previstos no Edital e que se resguarde a isonomia no tratamento dos licitantes (tal como a apresentação dos mesmos prazos e condições para apresentação da amostra e prazo e meios de impugnação pelos concorrentes).

Murilo Melo Vale