A Quota Preferencial no Âmbito da Sociedade Limitada

As ações de uma sociedade anônima podem ser ordinárias, preferenciais ou de fruição, sendo estas últimas de pouca utilidade prática. Já as ações ordinárias e preferenciais são largamente utilizadas, na estruturação de projetos e composição de interesses dos sócios. A principal diferença entre elas consiste na possibilidade ou não de haver restrições no exercício do direito de voto. Enquanto as ações ordinárias necessariamente conferem o direito a voto, as ações preferenciais podem conferir outras vantagens ao respectivo titular que, em tese, compensariam eventual limitação a esse direito.

De acordo com o art. 17 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), as ações preferenciais devem ter, no mínimo, prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou mínimo, ou prioridade no reembolso de capital, com ou sem prêmio. Além dessas preferências, o estatuto social pode estabelecer outros direitos para as ações preferenciais. Apesar da possível restrição ao direito de voto, pode-se prever vantagens para as ações preferenciais que as tornem atrativas, permitindo, assim, a viabilização de projetos, coexistindo ações com direitos políticos e ações com direitos patrimoniais mais vantajosos.

Em alguns setores, a existência de ações preferenciais é umareal necessidade. O caso da Azul S.A., que recentemente realizou o seu IPO (Initial Public Offer, ou Oferta Pública Inicial de Ações), é uma amostra fidedigna. Considerando que atua em um setor regulamentado, no qual, nos termos do artigo 181 do Código Aeronáutico Brasileiro, permite-seque 20%, no máximo, do controle acioniário de companhias aéreas sejam detidos por estrangeiros, e necessitava de investimentos estrangeiros, a Azul teve que adotar a ação preferencial para viabilizar sua estrutura de capital.No caso da Azul, em específico, cada ação preferencial possui 74 vezes mais direitos patrimoniais do que uma ação ordinária.

            Se, em se tratando de sociedades anônimas, a Lei nº 6.404 é expressa ao prever a ação preferencial, o Código Civil, ao regular as sociedades limitadas, é omisso. Com efeito, muito se discutiu na doutrina acerca da (im)possibilidade de existência de quotas preferenciais em sociedades limitadas. Por mais que a doutrina majoritária entendesse cabível, especialmente quando houvesse previsão contratual de regência supletiva pelas normas das sociedades por ações, o DREI- Departamento de Registro Empresarial e Integração (antigo DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio), por meio da Instrução Normativa nº 98 de 2003, entendia que não. Como esse entendimento vinculava as juntas comerciais, na prática, não havia sociedades limitadas com quotas preferenciais.

Contudo, o DREI, ao editar a Instrução Normativa nº 38/2017, que entrou em vigor em 02 de maio de 2017, alterou seu entendimento. Conforme constou do item 1.4 do Manual de Registro de Sociedades Limitadas, anexo à referida instrução, passou-se a admitir a existência das quotas preferenciais nas sociedades limitadas, aplicando-se supletivamente a Lei das Sociedades por Ações.

Portanto, sendo possível o registro de sociedades limitadas com quotas preferenciais, passa-se a ter esse importante mecanismo de ajustes e composição de interesses nas sociedades limitadas. Ao se permitir a distinção entre direitos políticos e patrimoniais das quotas, a adoção das quotas preferenciais pode facilitar planejamentos (patrimoniais, societários e/ou sucessórios), assim como viabilizar operações de M&A (Merger & Acquisition, ou Fusões & Aquisições) e reorganizações societárias no âmbito das sociedades limitadas.

Mário Tavernard Martins de Carvalho

Thomaz Murta e Penna