Certo dia, um cliente indagou no escritório se possuía direito a algum tipo de indenização, por ter sido coagido a sair de um emprego público nos Correios que, na época era dirigida por um brigadeiro. Tal fato ocorreu no final da década de 1960, em plena vigência do AI nº5, durante o regime militar que tanto desolou este país.
Recebi tal indagação com manifesto espanto. Como aquele senhor, atualmente político local do interior mineiro, na época militante democrático, não poderia saber dos benefícios da Anistia, garantida por nossa Constituição, àqueles que sofreram prejuízos em decorrência de regime militar, por motivações exclusivamente políticas?
O motivo da consternação foi o fato de que poucos estão familiarizados com os direitos compensatórios conferidos pela legislação vigente. Muitos têm conhecimento tão-só da ilusória – mas não historicamente irrelevante – Lei da Anistia de 1979, concessora do “perdão” aos opositores do regime militar e infratores de normas penais e administrativas, editadas de forma ilegítima e autoritária.
Até mesmo para muitos dos indignados e opositores íntegros e corajosos do Regime Militar, passa despercebido o fato de que nosso legislador reconheceu que a Lei de Anistia de 1979 foi insuficiente para restaurar a justiça dilacerada pelos governos dos Generais, uma vez desprovidos da legitimidade suficiente para figurar no poder, bem como para editar leis autoritárias e disparatadas dos anseios sociais dominantes.
Desse modo, ficou assentado que todos os cidadãos prejudicados por perseguições políticas ilegítimas têm o direito à indenização e restituição de certos direitos relegados naquele regime. Tanto que nossa Constituição garantiu a compensação econômica e outros benefícios aos prejudicados pelo regime militar, por razões exclusivamente políticas, no período de 18 de setembro de 1946 até a sua promulgação em 1988, tais como: os afastados do serviço público ou privado e os compelidos a se demitirem; aqueles punidos, impedidos e restringidos em sua carreira; os presos, expulsos do país e restringidos em sua liberdade de forma geral; aqueles vereadores que exerceram mandato gratuitamente, dentre outros.
Somente com a Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, é que se regulamentaram tais disposições constitucionais, instituindo um regime próprio de reparação econômica para aqueles abarcados pela Anistia, com um teto de indenização única no valor de R$100.000,00, sem prejuízo da opção pela prestação mensal permanente e continuada. Além disso, regulamentaram-se outros direitos, tais como a contagem do tempo de aposentadoria, a conclusão dos cursos em escolas públicas e a reintegração ao cargo e emprego perdidos. Vale ressaltar que todos os direitos previstos legalmente somente serão devidos para quem os pleitear administrativa ou judicialmente, não se dando de forma automática, já que deverá passar por um processo de comprovação dos fatos e julgamento do pedido.
Infelizmente, temos que conviver com a sombra dos males sociais e políticos causados pelo regime antidemocrático vigente nas décadas de 60 a 80. O que consola, pelo menos, é que o legislador federal obteve a maturidade suficiente para tentar amenizar, antes que tardia, um pouco das dores ocasionadas por essa fase sombria na história política nacional.
Murilo Melo Vale