A arbitragem, como sabido, é um método diverso do processo que tramita perante o Poder Judiciário, com propósito de solucionar controvérsias, por meio da intervenção de uma ou três pessoas que recebem poderes em decorrência da vontade das partes mediante acordo – o árbitro – para solucionar o objeto fonte do litígio sem intervenção estatal. Assim, é proferida decisão que terá a mesma eficácia de uma sentença judicial, sem o advento da intervenção estatal.
Em vista disso, a arbitragem é aparato privado para discussão e solução de controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis. Trata-se, então, de meio heterocompositivo, ou seja, fundado em conflito das partes, que renunciam a possibilidade de recorrerem ao Poder Judiciário estatal e optam por outro meio adequado para resolução de determinada disputa.
Nessa perspectiva, é nítido que a missão jurisdicional do árbitro se efetiva por meio da entrega de uma sentença exequível. Assim, a prova a ser produzida pelas partes pode ser crucial. No procedimento arbitral, seja por meio de um documento, de uma testemunha (fática ou técnica), seja por uma perícia; a prova exerce papel destaque na capacidade de cada parte no convencimento do árbitro.
Tem se tornado cada vez mais comum nos procedimentos arbitrais, em especial os que envolvem diversos pedidos e análises técnicas de outras áreas que não sejam o direito, o uso da prova técnica para convencimento dos julgadores. Aqui, merecem destaque as arbitragens que discutem questões de engenharia.
A definição da prova a ser utilizada é decisiva na estratégia de cada uma das partes no procedimento. A prova técnica em arbitragem pode ser realizada de diversas maneiras, podendo seguir uma tradição mais voltada para as tradições do civil law – como o perito indicado pelo próprio tribunal – ou do comum law – quando as próprias Partes produzem prova técnica através de assistentes técnicos.[i]
No Brasil, país cujo sistema é, tradicionalmente, de civil law, existe uma preferência por adotar a metodologia do perito indicado pelo tribunal.[ii] Dessa forma, o tribunal arbitral na maioria dos casos escolhe perito, que elabora laudo pericial, objeto de questionamento pelas partes por meio do auxílio de seus assistentes técnicos.
Nos últimos anos, porém, com a flexibilização da instrução processual em sede arbitral, tem se tornado cada vez mais comum provas periciais realizadas pelas próprias partes, que nomeiam diretamente seus peritos para apresentarem seus respectivos pareceres técnicos. Esses documentos técnicos, apesar de produzidos pelas partes, conferem aos árbitros os subsídios para decidir questões técnicas da demanda.
Aqui, é necessário pontuar que, quando nomeado pelo tribunal arbitral, ou mesmo em conjunto pelas partes, o perito normalmente é figura dotada de imparcialidade, que produz laudo com base em seu conhecimento, sem que favoreça determinada parte. Nesses casos, o perito assume dever de revelação similar ao do árbitro, e demonstra se possui conflito de interesses com alguma das Partes. Para caracterizar conflito de interesses, citam-se aqui as Diretrizes da IBA (International Bar Association) sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional, muito utilizada pelos árbitros e peritos mesmo que em arbitragens domésticas no Brasil.[iii]
Já na segunda opção, o mais comum no Brasil é que a figura do assistente técnico não seja imparcial, mas pessoa que tenha opinião técnica semelhante à da parte que auxilia, e por isso, produza documento técnico com vistas a fortalecer os argumentos técnicos já apresentados.
Também é válido comentar a importância da audiência de nos procedimentos arbitrais, porque é possível que os árbitros ouçam os assistentes das partes, e os submetam à inquirição, por meio de um contra-interrogatório (“cross examination“). Nesse momento, conta-se com a participação ativa das partes e seus advogados numa conferência de testemunhas (“witness conferencing“) que poderá levar o tribunal arbitral, destinatário da prova, a formar um melhor convencimento a respeito da matéria.[iv]
O juízo de valor do que seria melhor em cada procedimento, deve ser feito em função da situação concreta envolvendo cada Parte. A escolha de determinada forma de condução da prova técnica, pode fazer variar o preço a ser dispendido por cada parte, na eficácia e rapidez do desfecho do litígio, no convencimento dos árbitros. Para isso, é necessário a contratação de bons advogados, que possam auxiliar seus clientes desde o início do procedimento com a estratégia para condução da confecção da prova técnica.
[i] “Como regra geral, tem-se na common law o perito nomeado pelas partes, enquanto na civil law normalmente o tribunal arbitral nomeia um de forma independente.” PESSÔA, Fernando José Breda. A Produção Probatória na Arbitragem. In: Revista Brasileira de Arbitragem. Volume 4, Issue 13, 2007, p. 14.
[ii] A pesquisa revelou que, na percepção dos participantes, a grande maioria das perícias (74%) adota a sistemática de indicação do perito pelo tribunal arbitral, com a participação de assistentes técnicos indicados pelas partes. A segunda forma mais utilizada (15,5%) é a realização de perícia apenas por assistentes técnicos indicados pelas partes sem compromisso expresso de independência em relação a quem os indicou. Um baixo percentual de perícias é realizado apenas por perito indicado pelo tribunal arbitral e a modalidade menos popular, mas existente, é a indicação de profissional técnico indicado pela parte, com expectativa de imparcialidade e independência. Essa percepção foi corroborada pelas informações disponibilizadas pelas câmaras de arbitragem que participaram da Vertente B da pesquisa, cujo resultado indica que 90% das perícias realizadas nos últimos 5 anos contaram com a participação de um perito indicado pelo tribunal arbitral (com ou sem assistente técnico), e apenas 10% são realizadas tão somente por profissionais designados pelas partes.” (MASTROBUO, Christina M. Wagner. Pesquisa: Regras de Imparcialidade e Independência na Produção de Provas em Arbitragens. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 67, jul./set. 2020, p. 68
[iii] Os árbitros utilizam comummente as Diretrizes aquando da tomada de decisões sobre potenciais nomeações e revelações. Da mesma forma, as partes e os seus mandatários frequentemente consideram as Diretrizes na aferição da imparcialidade e independência dos árbitros, e instituições arbitrais e tribunais judiciais também consultam regularmente as Diretrizes ao decidirem sobre a recusa de árbitros. (IBA. Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional, Aprovadas por resolução do Conselho da IBA, na quinta-feira, 23 de outubro de 2014.)
[iv] Segundo Alex Wilbraham: “Com o witness conferencing, os peritos (e eventuais testemunhas) comparecem juntos à audiência, em vez de o tribunal ser obrigado a ouvi-los separadamente, isolados um do outro, e em horários ou dias diversos. Assim, os árbitros mantêm maior controle sobre a realização do cross-examination e podem dedicar mais tempo aos argumentos ou questões que, na sua opinião, são mais importantes para solução da disputa. A produção da prova poderá ser conduzida, por exemplo, dividida por assunto ou questão relevante, em vez de por perito. Vale dizer, os árbitros poderão fazer perguntas sobre um determinado assunto ou questão relevante para um perito e, em seguida, repetir a mesma pergunta para outro perito. Da mesma forma, os advogados de uma parte poderão também questionar o perito da outra parte e depois aquele nomeado pelo seu cliente, sobre o mesmo tema. O witness conferencing tenta manter o rigor inquisitorial, que é o forte em um cross-examination, enquanto ameniza os seus elementos adversariais. O controle da produção da prova é assim mais bem dividido, reduzindo um pouco o dos advogados e aumentando o dos árbitros que, por sua vez, têm desta forma maior liberdade para conduzir o procedimento”. (Perito na Arbitragem Internacional, Revista Brasileira de Arbitragem, 2006, Vol. III Issue 10) p. 104 – 109). Tal opinião parecer convergir com a de Marcos André Franco Montoro e Alexandre Palermo Simões: “Assim, defende-se que na maioria das vezes o depoimento das testemunhas técnicas (expert witnesses) é suficiente esclarecedor, evitando a realizado da demorada prova pericial pelo sistema tradicional. Também se afirma que apesar do perito ser contratado pelas partes (é a chamada hired gun, ou arma de aluguel, criticada por quem não gosta deste sistema), o árbitro tem capacidade para verificar qual das duas exposições (dois peritos) é a mais plausível, tem mais detalhes técnicos, está coerente e sem furos. O árbitro também pode apurar que em alguns pontos um perito tem razão, e em outros pontos ou outro perito é que tem razão. Mais ainda, como cada perito normalmente prepara o seu laudo sem manter contato com o outro perito (afinal, foram contratados por adversários), então ao apresentarem, no mesmo momento, os respectivos laudos, pode ser que estejam de acordo quanto a alguns fatos, cuja apuração fica praticamente resolvida (…)”. (O perito e a expert witness (“testemunha técnica”) na arbitragem. in Perícias em Arbitragens. MAIA Neto, Francisco e FIGUEIREDO, Flavio Fernando de (coord.), 2012, p. 151)