A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

No dia 30 de abril de 2019, o Presidente da República publicou a Medida Provisória nº 881, a qual, após passar pela aprovação do Congresso Nacional, foi transformada na Lei Federal nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.

O ato do Poder Executivo instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, de modo a estabelecer as garantias de livre mercado, a análise de impacto regulatório, dentre outras providências.

Para viabilizar tais medidas, foram alteradas normas e leis específicas, cuja natureza e finalidade impactam diversos ramos do direito.

Nesse sentido, cumpre destacar os temas relevantes da nova legislação.

  • Direito Societário:

A Lei da Liberdade Econômica criou a figura da “sociedade unipessoal”, isto é, uma sociedade de responsabilidade limitada com um único sócio, sem exigência de capital mínimo ou máximo, nos termos do artigo 1.052 do Código Civil.

Essa nova possibilidade retira as dificuldades impostas ao empreendedor, que, em muitos casos, tinha que optar pela sociedade limitada, que exige, ao menos, dois sócios em seu quadro social ou a EIRELI, que havia o óbice da necessidade de integralizar, no mínimo, cem salários mínimos.

  • Desconsideração da Personalidade Jurídica:

Outra previsão que impacta nas sociedades é a definição de critérios objetivos para a desconsideração da personalidade jurídica.

A inovação trazida pela nova lei, com a alteração do artigo 50 do Código Civil, foi de restringir a interpretação, de modo que definiu os conceitos de “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial”, assim como esclareceu que somente será possível atingir os bens dos administradores ou de sócios da pessoa jurídica quando eles forem “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.

  • Direito Contratual:

Outra mudança foi em relação à interpretação dos contratos empresariais, que deverá observar normas que privilegiam o que foi efetivamente pactuado entre as partes, exaltando o princípio do pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes).

Também propõe um regime de intervenção estatal mínima na economia, seguindo a lógica do liberalismo econômico do laissez-faire (“deixe fazer”).

Com essas alterações, as partes terão maior autonomia para pactuar livremente regras de interpretação em detrimento das estipulações legais, de modo a evitar dúvidas que antes eram geradas nos contratos civis e comerciais à luz das leis aplicáveis.

  • Fundos de Investimento

As normas inseridas no Código Civil regulamentam os fundos de investimento, em especial a possibilidade de limitar a responsabilidade dos cotistas e dos prestadores de serviço do fundo de investimento, observada a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Apesar de não gerar efeito imediato, por carecer de regulamentação, esse dispositivo estabelece os fundamentos legais para que o regulador atualize as normas em vigor.

Assim, a Lei da Liberdade Econômica, ao alterar o Código Civil, deu parâmetros legais para que a CVM regule os fundos de investimento a partir da sua natureza condominial, porém excluindo expressamente a aplicabilidade das regras gerais de condomínio e, também, franqueando ao regulamento do fundo dispor sobre a limitação da responsabilidade dos cotistas e dos seus prestadores de serviço.

  • Direito Administrativo

No Direito Administrativo, a Lei traz limitações à utilização do poder de polícia administrativa, prerrogativa usada para limitar ou condicionar direito de usar e fruir de propriedade ou de exercer uma atividade econômica, visando proteger um interesse público genérico, como a segurança, salubridade, sustentabilidade, civilidade, acessibilidade, dentre outros.

Neste caso, a “Declaração de Direitos da Liberdade Econômica” busca impor diretrizes de abstenção contra o abuso da imposição de obrigações regulatórias como condição ao início e continuidade de uma atividade econômica, especialmente para os empreendimentos de “baixo risco”. É de se destacar que a Lei prevê o direito ao recebimento de um prazo expresso que irá estipular o tempo máximo para análise de pedido de liberação de atividade econômica, findo o qual “importará em aprovação tácita para todos os efeitos”.

As definições genéricas sobre a limitação do uso do poder de polícia administrativa, como no caso de licenciamento e autorizações de funcionamento, trazem inúmeras dúvidas sobre em que medida essa Lei poderá ser utilizada para limitar a função administrativa, especialmente no campo do Direito Urbanístico. Neste aspecto, muita discussão haverá sobre se as normas dessa Lei serão compatíveis com outras normas criadas por Estado e Municípios, no âmbito de sua competência.

Além disso, ainda há dúvidas sobre quais os limites para o exercício do poder fiscalizatório do Poder Público, bem como do exercício da chamada “discricionariedade técnica”, na qual determinadas autoridades reguladoras (p. ex., agências reguladoras, institutos de pesos e medidas, Ministério da Saúde, Educação, Agricultura, CONTRAN, etc.) possuem a prerrogativa técnica de definir padrões de qualidade, regularidade, salubridade, segurança ao consumidor, etc., em vários segmentos industriais e serviços privados de natureza econômica, p. ex., na produção de alimentos, prestação de serviços de saúde, educação, serviços desenvolvidos em plataformas on-line ou em aplicativos de celular, dentre inúmeros outros.

  • Direito Trabalhista:

Na mesma lógica de conferir mais liberdade à atividade empresarial, a nova Lei modificou a legislação trabalhista no tocante ao controle de jornada, às regras de registro de ponto, emissão da CTPS em meio digital e extinção do e-social.

As empresas, mediante acordo individual ou coletivo, poderão fazer o registro de ponto por exceção à jornada regular, podendo anotar apenas os horários que não coincidam com os regulares. Também, em relação ao controle de jornada, para as empresas pequenas, houve ampliação de 10 para 20 do número mínimo de funcionários em que é obrigatório este controle.

A CTPS digital já está disponível em aplicativo para celular e traz como benefícios a agilidade na solicitação do documento, acesso à informação de qualificação civil e de contratos de trabalho, tendo em vista a integração de diversos bancos de dados do governo federal.

Por fim, em que pese a ausência de regulamentação sobre o tema, a nova lei prevê a extinção do sistema e-social, de modo que as empresas, posteriormente, terão que adequar as informações que serão repassadas para o governo por meio de um sistema teoricamente menos burocrático.

  • Direito Tributário:

Quanto aos aspectos tributários, entre as alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica, é possível destacar a criação de um comitê formado por integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para editar enunciados de súmula da administração tributária federal.

Estes enunciados deverão ser observados nos atos administrativos, normativos e decisórios dos referidos órgãos, pertencentes à Administração Pública Tributária Federal.

Também, a lei trouxe uma hipótese de dispensa de contestar/recorrer os temas decididos pelo STF, STJ ou pela Turma de Uniformização de Jurisprudência quando não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional e a possibilidade de dispensa da PGFN de contestar/recorrer em relação a casos que sejam objeto de súmula da administração tributária federal.

Ante todas as mudanças imposta pela Lei da Liberdade Econômica, o que se conclui é que essa inovação legislativa e as suas disposições garantem maior liberdade para empreender e pactuar, apesar de sua operacionalização, em alguns casos, ainda ser incerta e sujeita à posterior regulamentação.