O notório aumento de denúncias e processos de responsabilização de gestores privados por corrupção, revelou um clima de insegurança na identificação da licitude dos relacionamentos pré contratuais de empresas com o Poder Público. Enfim, é legítimo o interesse privado na realização de atos comerciais para divulgação dos benefícios de seus produtos e serviços para agentes públicos. Contudo, não se pode olvidar que toda contratação pública deve ser pautar pela premissa da necessidade pública e do resguardo da isonomia.
Infelizmente, o Direito brasileiro não oferece uma solução simples que dê uma segurança jurídica no contato prévio de uma empresa com o gestor público, para fins de viabilizar futura contratação, ao contrário do que ocorre nos EUA, por exemplo: o Lobbying Disclosure Act regulamenta o lobbying contact, dentre eles, contatos prévios que visam negociar a celebração de contratos públicos. No Brasil, sistemas legais de combate à corrupção [especialmente a nova Lei de Anticorrupção Empresarial] penalizam atos considerados lesivos à Administração Pública, tais como ajustes que frustrem caráter competitivo de uma licitação. Nos EUA, também há a penalização desse tipo de ato: o Foreign Corrupt Practices Act proíbe qualquer ato de oferecimento de vantagem para agente público estrangeiro com o objetivo de influenciar decisões públicas, de modo a resguardar a celebração de um negócio.
Para se evitar ou reduzir os riscos de responsabilização decorrentes desse relacionamento pré-contratual, a estruturação de governança corporativa pautada por mecanismos de integridade é medida obrigatória. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, governança corporativa é o “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”. Seus parâmetros conceituais se relacionam com a análise de gestão de riscos e o compliance, pois buscam o alinhamento entre uma gestão responsável, conforme às regras jurídicas e a resolução de conflitos no ambiente de negócios.
A ética é essencial à governança corporativa. Contudo, como a ética depende da voluntariedade e valores praticados, é essencial o estabelecimento de sistemas de compliance, para induzir, através de procedimentos e autorregulação, o agir em conformidade [to comply].
Considerando que a existência de mecanismos de integridade corporativa é medida para aferir o grau de responsabilidade administrativa de uma entidade pela prática de atos lesivos à Administração Pública brasileira e estrangeira, a Controladoria Geral da União enumerou os cinco pilares considerados essenciais para um Programa de Integridade: (1º) comprometimento e apoio da alta direção, condição indispensável para o fomento de um cultura ética; (2º) criação de instância responsável pelo Programa de Integridade, dotada de autonomia e imparcialidade para acesso direto ao mais alto corpo decisório da empresa; (3º) procedimentos de análise de perfil e riscos, para melhor identificação de sua área de atuação e riscos no cometimento dos atos lesivos previstos pela Lei Anticorrupção; (4º) estruturação das regras e instrumentos, como a códigos de condutas e diretrizes, com aplicação de medidas disciplinares e treinamentos; e (5º) estratégias de monitoramento contínuo, de modo aferir a efetividade dos programas de integridade e realimentar o seu aperfeiçoamento e atualização. O fato é que não existe uma receita pronta. Os programas de compliance devem ser adequados às peculiaridades de cada organização.
Assim, a estruturação de mecanismos de integridade não é mero redutor de eventuais penalidades administrativas aplicadas à empresa, mas sua efetividade pode, em especial, trazer conformidade no tocante ao contato prévio que uma entidade privada pretender realizar com um agente ou entidade pública, com o intuito de se celebrar um futuro contrato.
Murilo Melo Vale