O Código de Defesa do Consumidor traz em seu artigo 2º, caput, a definição de consumidor que, nos termos do texto “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
De fato, como exposto pelo ministro Luis Felipe Salomão, a regra é: “consumidor é aquele que retira o produto do mercado e o utiliza em proveito próprio”. Logo, resguardando as situações excepcionais, o consumidor é aquele que exaure a função econômica do produto ou serviço, retirando-o do mercado de consumo.
Entretanto, o legislador não se limitou a essa definição, trazendo a possibilidade de estender o reconhecimento da figura do consumidor para outras situações, como é o caso dos chamados consumidores por equiparação e bystander.
Diante disso, o STJ publicou recentemente uma matéria para evidenciar qual sua interpretação a respeito da ampliação do conceito e, consequentemente da aplicação ou não do CDC, utilizando como exemplo alguns dos diversos julgados que consolidam o entendimento da Corte.
Dentre as inúmeras situações que exigem análise para extensão ou não conceito, estão as seguintes:
- Comentários ofensivos em portal de notícias:
- Ao julgar o REsp 1.352.053, a Corte equiparou pessoa ofendida por comentários publicados em um portal de notícias a consumidor, reconhecendo a existência de dano moral e a necessidade de indenização;
- Nesse sentido, firmou entendimento de que a falta de controle das empresas jornalísticas sobre os comentários que chegam até suas redações e posteriormente são publicados, constitui falha no serviço. Manifestou ainda que é atividade inerente ao objeto da empresa ter controle sobre opara que assim não sejam realizados posts que gerem danos à honra de terceiros.
- Consumo intermediário não é protegido pelo CDC
- Ao adotar a teoria finalista na definição do consumidor, o STJ entende que nos casos de consumo intermediário – aquele que faz com que o produto retorne a cadeia de produção e componha o valor de novo bem ou serviço – não há aplicabilidade do CDC.
- Ao apreciar o REsp 567.192, a Quarta Turma entendeu que a empresa de pequeno porte não é automaticamente considerada vulnerável apenas por possuir relação contratual com fornecedor de grande porte. Logo, se não forem verificadas violações aos dispositivos dos artigos 30 a 53 do CDC, não há motivos que justifiquem equiparar a sociedade à figura do consumidor;
- Vale ressaltar que há entendimento do STJ que reconhece a aplicabilidade do CDC em casos que fogem à regra, como aqueles em que se constatar situação de vulnerabilidade ou prática abusiva, mesmo que a pessoa, física ou jurídica, não seja a destinatária final do produto ou serviço.
- Equiparação de vítima de acidente a consumidor:
- No julgamento do REsp 1.574.784 a Terceira Turma firmou entendimento de que, em caso de acidentes, aqueles que sofrerem suas consequências, devem estar resguardados pelos institutos protetivos do CDC, mesmo que não tenham contratado ou mantido relação com o fornecedor do produto ou serviço, tendo em vista o artigo 17 do diploma.
- Atropelamento pode ser acidente de consumo:
- Na mesma linha do entendimento citado anteriormente, o Tribunal reformou acórdão do TJRJ para estender a relação de consumo à terceiro diretamente prejudicado pelo fato;
- O Ministro Paulo de Tarso apontou a importância deste olhar atento, tendo em vista as diversas vítimas acidentais afetadas ao longo da cadeia de consumo, bem como a desnecessidade de se averiguar se o consumidor direto foi afetado no contexto. Ressaltou ainda que, em situações que não envolvem transportes que figurem como relação de consumo, não há no que se falar na aplicação do CDC – é o caso de acidentes envolvendo transporte de funcionários por exemplo.
- Queda de aeronave com danos a terceiros:
- Assim como nos exemplos anteriores, apesar de não figurarem como destinatários finais, as vítimas de acidentes envolvendo aeronaves, seja por meio da queda da estrutura, seja por meio de acontecimento ocasionado em solo, devem ser equiparadas a consumidores.
- Responsabilidade da concessionária de rodovia:
- Ao analisar o REsp 1.268.743, a Quarta Turma firmou entendimento que concessionárias de serviços rodoviários respondem objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço, mesmo que este afete pessoa não usuária. No caso do recurso, um menor faleceu após ser atropelado em uma rodovia mal iluminada e sinalizada, e que estava sob administração de concessionária.
- Neste julgamento o ministro relator Luis Felipe Salomão ainda destacou que “a jurisprudência do STJ reconhece a responsabilidade do Estado em situações similares, de modo que seria conferir tratamento diferenciado à concessionária o fato de não lhe atribuir responsabilidade no caso em tela”.
- Dano ambiental e prejuízo para a pesca:
- No julgamento do CC 132.505, a Corte reafirmou tese que estendeu o conceito de consumidor a pescadores que tiveram suas atividades prejudicadas, devido a vazamento de petróleo ocasionado por empresa de exploração.
- Houve ainda discussão a respeito da competência para o ajuizamento da ação, controvérsia pacificada pela incidência do artigo 101, inciso I do CDC, que permite que a ação de responsabilidade civil de fornecedor de produtos e serviços seja proposta no domicílio do autor.
- Banco não é responsável por cheque roubado:
- A Terceira Turma firmou entendimento de que instituições financeiras não devem ser responsabilizadas por danos causados por falsários, pois o roubo de cheques e os prejuízos advindos do fato, não decorrem de defeito do serviço prestado pela empresa. Nesse sentido, não cabe a aplicação do CDC.
- Cheque sem fundos emitido por correntista:
- Reafirmando entendimento já pacificado, a Terceira Turma reafirmou que “bancos não são responsáveis por cheques sem fundos emitidos por seus correntistas, salvo se houver defeito na prestação dos serviços bancários.”
- Dessa forma, a relação de consumo pode ser observada entre a instituição bancária e seu cliente, não entre o beneficiário do título de crédito e o emitente do cheque.
Através da completa análise dos julgados, pode-se concluir que, apesar de adotar a teoria finalista e ter como regra a aplicação do artigo 2º, caput, do CDC, o STJ reconhece em diversas e justificadas ocasiões, a possibilidade de extensão do conceito de consumidor para abarcar as necessidades advindas dos desdobramentos das relações consumeristas.
Dessa forma, compreender as possibilidades apresentadas pelos entendimentos do STJ é de fundamental importância para que os operadores do direito possam invocar devidamente a aplicação do CDC e resguardar seus clientes por todos os meios de direito que lhe puderem ser concedidos.
A notícia teve como base o julgamento dos processos REsp 1536786, REsp 1162649, REsp 1370139, REsp 1574784, REsp 1787318REsp, 1281090, REsp 1268743, CC 132505, CC 143204, REsp 1352053, REsp 1195642, REsp 567192, REsp 1324125, REsp 1665290.