Acelerado pelo contexto da pandemia da Covid-19, o crescimento exponencial da era digital tornou o cotidiano pessoal e profissional da maior parte da população indissociável da esfera tecnológica.
Nesse cenário, os conteúdos e materiais mantidos em ambiente virtual (em conjunto, “bens digitais”) passaram a compor o patrimônio dos indivíduos, principalmente aqueles cujo valor econômico pode ser aferido, a dizer: criptomoedas, milhas aéreas, pontos em programas de fidelidade, dentre outros.
Ocorre que, entre os bens digitais, cumpre diferenciar aqueles com valoração econômica, dos que não a possuem. Os primeiros, conforme explicitado anteriormente, geram renda e podem ser avaliados em pecúnia, enquanto os últimos servem primordialmente para a manutenção das relações de afeto e para fins comunicacionais e, portanto, não podem ser comercializados no mercado.
No que concerne a estes últimos, em atenção aos padrões de criptografia, muitos aplicativos que armazenam os referidos conteúdos não fornecem alternativas aos usuários para a hipótese de falecimento, o que obsta, aos sucessores, o acesso a e-mails, contas em redes sociais e smartphones, por exemplo.
Em razão da ausência de regulamentação a respeito da herança digital, que corresponde ao conteúdo intangível do falecido, possível de ser armazenado ou acumulado em espaço virtual, os tribunais têm assegurado a privacidade e intimidade dos de cujus, em detrimento da vontade dos herdeiros, quando tais direitos não podem ser valorados economicamente e possuem natureza personalíssima.
A título de exemplo, em março deste ano, o TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu sentença negando o acesso de uma mãe ao perfil pessoal de sua filha no Facebook. Os desembargadores optaram por fazer prevalecer as regras de tratamento da plataforma, que dispõem que a conta deve ser excluída, caso o titular não tenha registrado o interesse em transformar sua conta em um memorial, na hipótese de falecimento (TJSP – Processo nº 1119688-66.2019.8.26.0100).
Torna-se, assim, extremamente recomendável que os titulares sigam com a elaboração de um testamento, a fim de discriminar a forma de tratamento do seu patrimônio digital, quando do seu falecimento. Isso, porque não somente assegura-se o acesso dos herdeiros às contas nas plataformas virtuais, caso seja o interesse, como também se aplica aos casos de transmissão dos bens digitais que possuem valor econômico, tornando de conhecimento dos interessados as chaves privadas de acesso.