CONTRATOS E A PANDEMIA DE COVID-19: REVISÃO, RESOLUÇÃO OU CUMPRIMENTO?

Desde que os efeitos da pandemia de COVID-19 começaram a se alastrar por todo o mundo, as relações contratuais começaram a ser questionadas. Muitos argumentam pela suspensão do pagamento das obrigações contratuais ou ao menos a sua revisão para adequação ao contexto vivido, enquanto outros tentam defender o cumprimento irrestrito em prol da continuidade de circulação de renda.

Independentemente do lado que se adote, não há como se negar que a pandemia de COVID-19 é fato imprevisível e que foge ao controle das partes que contrataram antes da proliferação do novo coronavírus e dos seus impactos.

Assim, muito se tem ouvido sobre força maior, caso fortuito, teoria da imprevisão, teoria da onerosidade excessiva e impossibilidade das prestações. Contudo, cada um desses institutos se configura mediante requisitos próprios e tem consequências próprias, sendo necessário diferenciá-los para invocá-los corretamente. No quadro abaixo, sintetizamos as principais características:

Instituto Requisitos Implicações
Força Maior e Caso Fortuito Eventos supervenientes inevitáveis (força maior) imprevisíveis (caso fortuito), não imputáveis às partes, que justificam o inadimplemento do contrato (Art. 393 do Código Civil). Exoneração do devedor da responsabilidade pelo descumprimento contratual (ex: multa, encargos moratórios ou perdas e danos). Suspensão da exigibilidade da obrigação.
Teoria da Imprevisão 1) Contrato de longa duração.

2) Desequilíbrio do valor das prestações causado por fato superveniente imprevisível e não constatado pelas partes inicialmente.

(Art. 317 do Código Civil).

Revisão do valor das prestações para restabelecer o equilíbrio econômico.
Teoria da Onerosidade Excessiva 1) Contrato de execução continuada.

2) Prestação se torna excessivamente onerosa para uma das partes.

3) Com vantagem extrema para a outra parte.

4) Em virtude de fatos extraordinários e imprevisíveis.

(Art. 478 do Código Civil).

Resolução (fim) do contrato (art. 478 do Código Civil) ou revisão quando o réu oferecer modificar as condições do contrato de forma equitativa (art. 479 do Código Civil) ou  em contratos com obrigações apenas para uma das partes (art. 480 do Código Civil).
Impossibilidade da prestação O cumprimento da obrigação se torna impossível sem culpa da parte. (Código Civil, art. 234 – obrigação de dar; art. 248 – obrigação de fazer; art. 250 – obrigação de não fazer). Resolução (fim) do contrato sem dever de nenhuma das partes de responder por perdas e danos.

 

Ainda, é necessário analisar outros fatores, tais como o tipo de contrato em questão, a área de atuação das partes contratantes, de que modo foram atingidas pelas restrições legislativas, a duração do contrato e as obrigações contratadas.

Eduardo Nunes de Souza e Rodrigo da Guia separam três grupos de contratos e propõem soluções distintas considerando suas características[1]:

1) Grupo 1 –  contratos cujo objeto foi afetado por atos normativos do Estado para cessar as atividades ou restringi-las (fato do príncipe), como restaurantes, cinemas, academias de ginástica, lojas em shopping centers ou do comércio em geral. A sugestão dos autores é a aplicação da impossibilidade das prestações, sendo também cabível alegação de força maior.

2) Grupo 2 – contratos em que não há ato normativo intervencionista, porém, uma das partes não tem mais interesse em sua continuidade. Deve-se avaliar quais os motivos para o fim do contrato, se decorrentes da mera vontade da parte ou se realmente relacionados com a pandemia de covid-19 e seus impactos.

3) Grupo 3 – contratos em que uma ou ambas as partes sofreram grave desequilíbrio econômico, tais como fornecimento e empréstimos bancários. A sugestão para esses casos é a revisão por onerosidade excessiva ou a resolução dos contratos para as situações mais graves.

Em qualquer dos casos, a negociação extrajudicial será essencial para se obter resultados de forma mais efetiva. Nesse sentido, recomenda-se transparência e lealdade nas tratativas, expondo para a outra parte, de forma documentada, como a pandemia de COVID-19 afetou o cumprimento do contrato e quais os danos causados. Soluções para contenção dos prejuízos, tais como descontos, suspensão de pagamentos ou reagendamentos, podem ser alternativas que impeçam a resolução contratual e prestigiem a continuidade da relação comercial.

Caso as negociações se frustrem, meios alternativos à solução de controvérsias, como a mediação e a arbitragem, podem apresentar soluções mais ágeis. Por fim, o Poder Judiciário poderá ser acionado e certamente levará em consideração a boa-fé das partes na tentativa anterior de encontrar soluções e mitigar os riscos e danos.

A equipe do Contencioso Estratégico do Tavernard Advogados está à disposição para esclarecimento de dúvidas e auxílio nas negociações. Para maiores esclarecimentos, entre em contato com Guilherme Vinseiro Martins, sócio responsável pela área (e-mail: guilherme@dev.gepetocomunicacao.com.br).

Referências:

[1] SOUZA, Eduardo Nunes de; GUIA, Rodrigo da. Resolução contratual nos tempos do novo coronavírus. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322919/o-coronavirus-e-os-contratos-extincao-revisao-e-conservacao-boa-fe-bom-senso-e-solidariedade . Acesso em: 02/04/2020.