Projetos no setor público em 2022 prometem demandar do setor privado maior diversidade de critérios ASG

Por Murilo Melo Vale

A agenda de projetos de infraestrutura ainda é promissora para 2022, sendo que há diversos projetos em estudo e em consulta pública no início deste ano. Em convergência da agenda de novos investimentos em infraestrutura, possui destaque promessas da nova agenda ASG (Ambiental, Social e Governança) que podem modificar de maneira substancial as estratégias de estruturação de projetos diante de novos requisitos de “sustentabilidade social e ambiental” que vem sendo impostos pelo poder público e por órgãos financiadores.

Sobre o tema de imposição de obrigações ASG via contrato, importante ressaltar que há uma evolução exponencial de medidas que buscam colocar o setor privado não apenas como obrigações de impedir resultados danosos a direitos sociais e ambientais, mas que sejam veículos precursores de ações afirmativas para a promoção de valores e diretrizes social e ambientalmente adequados.

Regras proibitivas de condutas que visam impedir danos ambientais e sociais sempre existiram. Mas estabelecer requisitos e obrigações positivas que visam o atingimento de metas socialmente adequadas, isto sim são deveres especiais que estão a cada dia com presença mais significativa no dia a dia das empresas.

No ambiente europeu, a introdução de deveres de sustentabilidade ambiental vem desde o Tratado de Amsterdão (1997), no qual foram determinadas a imposição de normas de qualidade e na adoção de políticas de proteção que extrapolam a mera responsabilização decorrente do poluidor-pagador, mas introdução a ideia da precaução ambiental em todos os setores da infraestrutura.

No Brasil, essa preocupação com mudanças regulatórias para a imposição dessas obrigações de proatividade ambiental e social iniciou, de forma tímida, porém representativo com a Agenda Ambiental na Administração Pública de 2008 e na edição da Lei que trata da política nacional sobre mudanças do clima (Lei 12.187/2009). A própria lei de licitações (Lei 8.666) modificou para inserir o desenvolvimento nacional sustentável como um dos objetivos do procedimento, de modo a incentivar medidas de sustentabilidade, contudo, sem estabelecer medidas práticas. Posteriormente, a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) avançou no sentido de permitir a exigência de certificações ambientais e a implementação de remuneração variável com base em atendimento de critérios de sustentabilidade ambiental.

Em que pese essa evolução normativa, nada é representativo do que vem ocorrendo nos últimos anos, indicando uma internalização e compreensão da própria sociedade civil sobre a importância de implementação de práticas ESG (do inglês Enviromental, Social and Governance), também aqui referido pela sigla ASG (Ambiental, Social e Governança). Muito se deve à uma visão ampliada do próprio conceito de sustentabilidade, influenciado pela divulgação dos “17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” pela ONU, o qual abarca diretrizes de desenvolvimento social e de instituições eficazes como pilares da do crescimento sustentável.

Em 2021, muitas dessas diretrizes da sustentabilidade ampliada foi incorporada pela nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), ao, por exemplo, exigir a implantação de programas de compliance pelas empresas como condição para contratação, permitir vantagens negociais para quem desenvolver políticas de equidade de gênero, contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e egressos do sistema prisional, impedir contratação de empresas condenadas por adoção de trabalho infantil. No âmbito ambiental, também houve um grande conceder mais competitividade a propostas que adotem produtos e serviços de acordo com ciclo de vida do produto mais adequado frente a métodos tradicionais de produção.

Não apenas isso. As práticas ASG vêm se tornando exigências para a concessão de financiamentos de investimentos em infraestruturas, o que é essencial para a participação do setor privado em projetos públicos de concessão, PPPs e desestatizações de funções estatais. O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, por exemplo, foi pioneiro no Brasil na emissão de “títulos sustentáveis”, tendo emitido em dezembro de 2020 uma operação de mais de 260 milhões na bolsa de Nova Iorque para financiamento de projetos com enfoque ambiental e/ou social. Nessa onda, o BNDES firmou em 31/01/2022 um memorando de entendimentos com o Banco Mundial, com o objetivo de criar um “carimbo verde”, visando implementar um sistema para avaliação de empresas nas práticas ASG, o que pode ser decisivo para a concessão de financiamentos em infraestrutura.

Pode-se dizer que essa evolução, dita como exponencial, ainda é apenas uma ponta de iceberg de um volume cada vez mais crescente de medidas em que as empresas deverão se adaptar, de modo a que não sejam literalmente alijadas em um mercado, cada vez mais competitivo, que é o da infraestrutura. Muitas novidades ainda virão em 2022 nesse contexto.