Da Extinção Contratual por Força Maior e Factum Principis (Fato do Príncipe)

Em razão da notória pandemia que acomete o cenário global, a forma de extinção contratual e as verbas rescisórias decorrentes desta são um assunto polêmico.

Sobre este tema, não há um posicionamento consolidado na doutrina e tampouco, diante da singularidade da situação, um posicionamento jurisprudencial.

Primeiramente, cabe destacar que há autores que defendem que o fato príncipe é uma subespécie da força maior e outra parte da doutrina entende que é outra modalidade de extinção contratual.

Para Maurício Godinho Delgado[1], a força maior e o factum principis são duas situações especiais de extinção da empresa ou estabelecimento que, embora conduzido ao término do contrato de trabalho, atenuam o encargo empresarial no tocante às verbas rescisórias.

Na visão deste autor, para que seja aplicada a rescisão contratual por força maior, a primeira questão que deve ser posta a exame é que o estabelecimento ou empresa deverão ser extintos, não sendo suficiente a suspensão das suas atividades. Quanto ao fator de força maior e pagamento de metade das verbas rescisórias (art. 502, II da CLT), referido autor defende que o dispositivo legal sequer foi recepcionado pela CR/88, pois aplicável apenas em casos de estabilidade de celetistas (estável decenal).

Em relação ao fato do príncipe, Godinho defende que em caso de extinção contratual em virtude de paralisação temporária ou definitiva de trabalho, as indenizações referentes ao tempo de serviço (arts. 477, 478) ficariam a cargo da pessoa jurídica de direito público, mas ressalva que a prática jurisprudencial raramente tem acolhido tal modalidade de ruptura.

No entendimento de Vólia Bomfim Cassar[2] o factum principis é uma subespécie da força maior. Assim, ocorre a extinção do contrato quando, por força maior, houver uma impossibilidade de execução da atividade (total ou parcial).

Para estes casos a lei concede a benesse de pagar 20% da indenização do FGTS, também não sendo devido o aviso prévio, pois o empregador não tinha como prever a força maior. Em complemento, Sergio Pinto Martins[3] afirma que a aplicação do art. 502, II, da CLT pressupõe que a empresa tenha sido afetada substancialmente no aspecto financeiro e econômico.

No caso de factum pincipis (art. 486 da CLT), Vólia explica que a autoridade que tomou a medida é que deverá ser responsável pela indenização resultante da extinção do contrato de trabalho, sendo controvertido na doutrina o montante devido (ora dizem que é 20%, ora dizem que é 40% da indenização do FGTS).

Por fim, apesar da explanação e interpretação de tais autores, caberá a jurisprudência determinar se a atual crise em que vivemos e as medidas tomadas pelo governo municipal, estadual e federal se enquadrariam em força maior ou fato do príncipe.

De todo modo, as empresas deverão se atentar aos riscos do não pagamento integral das verbas rescisórias a tempo e modo, pois isso poderia ensejar pagamento da multa do art. 477 da CLT, correspondente a um salário do empregado, além dos juros moratórios.

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[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. Ed. São Paulo: LTr, 2019.

[2] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 11. Ed. Rio de Janeiro: Método, 2015.

[3] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2001.