Sumário: 1. Introdução 2. A crise do Estado Burocrático e a Consolidação da Nova Gestão Pública 3. Limites do gerencialismo na gestão pública 4. As Teorias Deliberativas: parâmetro para a reforma da Administração Pública 5. Os conselhos gestores de políticas públicas: a experiência municipal brasileira 6. Conclusão 7. Referências bibliográficas.

Resumo: Os conselhos gestores de políticas públicas, amplamente difundidos na esfera municipal no Brasil, encontram um grande desafio para satisfazerem um sentimento forte que vige entre os cidadãos, acerca da necessidade em poder participar dos rumos da coisa pública, de forma eficaz: a hegemonia dos preceitos gerencialistas na Administração Pública, característicos do que se convencionou chamar de a “Nova Gestão Pública”. Neste ponto, o presente trabalho propõe desenvolver o dualismo que se encontra entre os anseios democráticos defendidos pela teoria deliberativa e as limitações apresentadas pelo gerencialismo na gestão pública brasileira. Para tanto, descreverá a evolução da Administração Pública para que, enfim, se possa apresentar e compreender os parâmetros teóricos e empíricos que apontam mecanismos para se reformar o Estado e consolidar os conselhos gestores de políticas públicas como verdadeiros institutos deliberativos, consoante os preceitos da Democracia Deliberativa.

Palavras Chaves: Administração Pública, Nova Gestão Pública, Teorias Deliberativas, Conselhos Gestores de Políticas Públicas.

Summary: 1. Introduction 2. The crisis of the Bureaucratic State and the Consolidation of New Public Management 3. Limits of managerialism in public administration 4. Deliberative Theories: parameter for the reform of Public Administration 5. The management councel of public policies: the Brazilian municipal experience 6. Conclusion 7. References.

Abstract: The “Management Councel of Public Policies”, widely disseminated in municipal spheres of Brazil, have a great challenge to satisfy a strong feeling between citizens, about the need to participate effectively in the direction of public affairs: the hegemony of the precepts managerialist in Public Administration, characteristic of what has been called the “New Public Management”. Thus, this article proposes to develop that dualism, which is the democratic aspirations defended by deliberative theory and the limitations presented by managerialism in brasilian public administration. To do so, this article will describe the evolution of Public Administration to finally be able to present and understand the theoretical and empirical parameters that link mechanisms to reform the state and consolidate the “Management Councel of Public Policies” as true deliberative institute, according to the principles of deliberative democracy.

Keywords: Public Administration, New Public Management, Deliberative Theories, Management Councel of Public Policies.

1. Introdução

A Administração Pública moderna se vê diante de uma dualidade de paradigmas que urgem por uma compatibilização: por um lado, vislumbramos estudos administrativos que demonstram os benefícios trazidos pelas reformas gerencialistas, criadas justamente para solucionar uma série de problemas do Estado idealizado pelas concepções burocráticas de Max Weber; por outro, nunca esteve tão em voga a discussão acerca da devida democratização das instituições estatais, em prol da participação ativa dos cidadãos em formatos institucionais que não se resumem à mera agregação de votos e à “benção” eleitoral. Como diz James Bohman (2007, p. 1), “de acordo com a sabedoria atual, estamos vivendo a era de ouro da democracia”.

De acordo com a mais atual literatura atinente ao tema, é freqüente se deparar com o entendimento de que a legitimidade democrática das ações governamentais somente se concretiza através do choque de perspectivas e argumentos racionais produzidos por potenciais interessados e potencialmente atingidos, os quais terão igual direito à participação em esferas públicas estruturadas e organizadas.

A “Deliberação Pública”, algo mais complexo do que a mera participação direta e agregação de interesses majoritários em pautas definidas, abrange um amplo debate em prol de uma racionalização pública das ações do Estado. Tal participação de todos os potencialmente envolvidos, de forma racional, juntamente com aqueles munidos das competências estatais em um complexo de arenas definidas e estruturadas, é uma concepção concretizada de uma visão contemporânea de democracia, consolidada sob o nome de Democracia Deliberativa.

Neste contexto, relevante tornou-se a discussão do potencial deliberativo acerca dos conselhos gestores de políticas públicas, principalmente na esfera municipal, bem como adequação e aprimoramento consoante os preceitos da teoria deliberativa. Com a promulgação da Constituição da República de 1988, consolidaram-se uma nova geração de direitos da cidadania e outros preceitos jurídico-principiológicos que tornaram cogente a institucionalização de novos canais de participação ativa dos cidadãos, tanto na formulação, na decisão, como no monitoramento de atividades tipicamente estatais.

Com isso, o que se verificou foi uma proliferação desordenada de conselhos gestores de políticas públicas. Para se ter uma idéia da dimensão do que se convencionou chamar de “febre conselhista” (CARVALHO, 1998), uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1999 – ou seja, há mais de dez anos – constatou uma média de 4,9 conselhos por município, totalizando 26,9 mil conselhos presentes em 99% dos municípios do país.

Contudo, os conselhos gestores de políticas públicas, de forma geral – respeitada suas variações e particularidades – deixam a desejar quando a questão é a exploração de seu potencial deliberativo. Sem prejuízos de outros desafios, vale dizer que a cultura do management e um rol crescente de práticas gerencialistas, que caracterizam o Estado atualmente e criadas para a consecução mais eficaz dos objetivos conjeturados pela cúpula do poder público, vêm se mostrando um tanto relutante em permitir que os preceitos das teorias deliberativas possam se concretizar nas atividades dos conselhos gestores de políticas públicas. Isto, em razão da natureza centralizadora, neopatrimonialista e neotecnocrata que é natural do Estado Gerencial. Talvez seja porque os atuais gestores públicos ignoram as respostas às perguntas pelas quais se move o presente trabalho: quais os benefícios da ampliação deliberativa para a consecução dos objetivos institucionais da Administração Pública? Quais são as limitações apresentadas pela atuação dos conselhos gestores de políticas públicas que merece considerações e reforma, à luz dos preceitos da Democracia Deliberativa?

Neste sentido, uma resposta à questão das falhas no caráter deliberativo dos conselhos gestores tem relação direta com as limitações do que se convencionou chamar de Nova Gestão Pública. De toda forma, antes de adentrar no objetivo proposto – analisar, de forma geral, os conselhos gestores de políticas públicas à luz da teoria deliberativa – torna-se necessário descrever, brevemente, a trajetória da evolução institucional da Administração Pública: (i) da crise da burocracia weberiana e emergência da Nova Gestão Pública, para que, enfim, se possa apresentar e compreender os (ii) parâmetros teóricos e empíricos que apontam para a necessidade de se reformar os conselhos gestores, em prol do devido ajustamento deliberativo, consoante os preceitos da Democracia Deliberativa. No caso, os Conselhos Gestores já são, de certa forma, um desafio ao tecnicismo de algumas versões da Nova Gestão Pública. A questão é entender como aprofundar a experiência deste instituto participativo e supostamente deliberativo e, assim, procurar o melhor caminho para aprimorá-lo.

O presente trabalho efetua uma abordagem teórica, interdisciplinar e basicamente de fontes secundárias, de forma a cumprir com seu desígnio basilar: compreender os caminhos necessários para que possamos desenvolver tal instituto potencialmente deliberativo em prol de uma gestão pública mais democrática.

2. A crise do Estado Burocrático e a consolidação da Nova Gestão Pública

Com a consolidação do Estado liberal, o sistema capitalista estava em expansão e com ela uma nova discussão científica sobre a Teoria das Organizações, em busca de uma maior racionalidade capitalista de produção. Neste contexto, Max Weber apresenta a sua Teoria das Organizações Burocráticas, que foi considerado por autores clássicos como garantia do bom funcionamento dos negócios e serviços (PAULA, 2006, p. 54), no qual pregou que a previsibilidade, uniformidade da rotina da organização e impessoalidade dos métodos são medidas essenciais para gerar a confiabilidade na prestação de sua atividade, prevenindo, assim, os problemas e conflitos (ABRUCIO, 1997, p. 6).

Contudo, em razão da crise de 1929, novas idéias intervencionistas, baseadas nas recomendações de John Maynard Keynes, ganharam espaço e hegemonia nos Estados, como forma de solucionar os problemas gerados pela grande depressão econômica. Neste contexto, a Administração Pública se imergiu em um processo de agigantamento de suas competências, diante da necessidade exponencial de organizar o novo sistema burocrático-intervencionista (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 5).

O crescimento da máquina estatal, o qual experimentou o Estado Social, generalizou preocupações sérias com relação à eficiência dos serviços prestados pela Administração Pública, resultando em uma crise do Estado moldado de acordo com os preceitos burocráticos weberianos. Conforme bem pontua Abrucio (1997), o modelo de Estado Social-Burocrático esfacelou-se em suas três dimensões interligadas: (i) a econômica, representado pelos mandamentos keynesianos de intervenção estatal na economia, como método de garantir o pleno emprego e o macro-desenvolvimento; (ii) a social, caracterizada pelo welfare state, o qual preza pela ampliação de políticas públicas voltadas a suprir as necessidades básicas dos cidadãos; e (iii) a administrativa, referente ao modelo burocrático weberiano.

Segundo esse mesmo autor, quatro fatores históricos concorreram para a crise do Estado Social-Burocrático, por expor a ineficiência do rigorismo e excesso de formalismo nos procedimentos hierárquicos da Administração Pública: (i) as crises do petróleo de 1970, o que fez com que a economia mundial ingressasse, na década de 1980, em um novo ciclo recessivo; (ii) a crise fiscal que acometeu vários Estados, que não tinham mais condições de arcar com seus vultosos déficits ocasionados pelo excesso de competências e de serviços públicos; (iii) a condição de “ingovernabilidade” e inaptidão dos Estados em resolverem seus próprios problemas utilizando a metodologia organizacional utilizada; (iv) a emergência do novo fenômeno da globalização, no qual a evolução da tecnologia da informação e do poder das multinacionais colocaram as políticas macroeconômicas dos Estados em uma situação de hipossuficiência.

Na medida em que a Administração Pública Burocrática foi revelando seus problemas, novos movimentos acadêmicos foram dando força ao pensamento liberal, aos quais se somaram a uma nova crença gerencialista e a uma cultura do management, amplamente difundido nos círculos gerenciais, tanto da esfera privada, como da pública. Neste contexto podemos destacar: (i) a Teoria da Escolha Pública, segundo o qual a busca pelo lucro orienta os burocratas tanto do setor privado e do público, propondo assim a remoção das características burocráticas na execução dos serviços públicos que poderiam ser facilmente exercidos pela iniciativa privada[1]; (ii) a influencia dos “think tanks” que aproximou as elites intelectuais às visões do livre-mercado e da necessidade de reformas das competências do Estado Social[2]; a proliferação dos “business schools” e novos instrumentos de administração, tais como a reengenharia, a administração da qualidade total, dentre outros “modismos” gerenciais, que passaram a ser usados constantemente.

O fato é que as reformas econômicas implantadas, inspiradas nos preceitos da nova tendência neoliberal, ressalvadas opiniões ao contrário[3], deram respostas para a crise econômica e institucional que se instalava mundialmente, pois que: (i) desenvolveram uma crítica às falhas do Estado simetricamente à teoria das falhas do mercado; (ii) desenvolveram uma crítica racional da suposta ineficiência e autoritarismo do Estado Social; e (iii) propuseram soluções passíveis de execução para sanar as falhas do Estado, a escalada inflacionária e a tendência estatal em ferir as escolhas individuais[4].

Enfim, a cultura do gerencialismo, que tornou parâmetro de eficiência para as organizações privadas, foi resgatada pelo setor público nos anos 1980. E a utilização das novas técnicas gerenciais pela Administração Pública, advindas do setor privado, caracterizou a Nova Gestão Pública, “um modelo ideal a ser emulado pelos países que estão reformando seu aparelho de Estado e práticas de Gestão” (PAULA, 2006, p. 79).

No Brasil, tais idéias gerencialistas tornaram-se hegemônicas no Estado com a evidenciação da crise das políticas nacional-desenvolvimentistas e as críticas ao patrimonialismo e autoritarismo estatal. Em vista da recessão que acometia o Brasil e demais países latinos americanos, organismos internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, chegaram a um “consenso” sobre os benefícios da realização de reformas na máquina estatal orientadas pelo gerencialismo, sugerindo mudanças drásticas em prol da implantação dos preceitos da “Nova Administração Pública”, quais sejam: “o ajuste estrutural do déficit público, a redução do tamanho do Estado, a privatização das estatais, a abertura ao comércio internacional, o fim das restrições ao capital externo, a abertura financeira às instituições internacionais, a desregulamentação da economia, a reestruturação do sistema previdenciário, o investimento em infra-estrutura-básica e fiscalização dos gastos públicos” (PAULA, 2006, p. 113). Tais recomendações de good governance aos países latinos americanos ficaram conhecidas como o Consenso de Washington.

O referido consenso político levou a uma articulação política responsável pela vitória do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ao governo federal em 1994 e, consequentemente, à implantação das idéias reformistas de Luiz Carlos Bresser-Pereira (BRESSER-PEREIRA, 1992), segundo o qual,

“não basta (1) estabilizar através da disciplina fiscal e (2) reduzir o papel do Estado, liberalizando e privatizando. É necessário, adicionalmente, (3) superar a crise fiscal, reduzindo ou cancelando a dívida pública e recuperando a capacidade de poupança do Estado, e (4) definir uma nova estratégia de desenvolvimento ou novo padrão de intervenção, no qual o Estado desempenhe um papel menor mas significativo, promovendo o desenvolvimento tecnológico, protegendo o ambiente e aumentando gastos na área social”.

A implantação do gerencialismo na Administração Pública brasileira trouxe, e continua trazendo, inúmeros benefícios para a organização e modernização da máquina administrativa do Estado, viabilizando maior eficiência na tomada de decisão, em contraposição à lentidão burocrática que se via até então. No entanto, a experiência demonstra que o Estado Gerencial apresenta certos limites, principalmente no que tange à conciliação com preceitos deliberativos, justamente em razão de sua natureza de tomada de decisão, centralizadora, tecnocrata e neo patrimonialista.

3. Limites do gerencialismo na gestão pública

Segundo Paula (2006, p. 82) o gerencialismo experimentado pela “Nova Gestão Pública” apresenta as seguintes limitações (v p. 82): (i) formação de uma nova elite burocrática e centralização do poder dos novos técnicos gerencialistas formuladores de políticas públicas; (ii) inadequação do gerencialismo no setor público e com a dimensão sociopolítica do Estado, qual seja, da participação cidadã; (iii) incompatibilidade entre a lógica gerencialista e o interesse público, já que o gerencialismo se preza pela ampla liberdade de decisão – rule-based – e um nível de discricionariedade incompatível com o exercício de atos da administração publica e com o interesse público, este descrito em um quadro legal previamente estabelecido.

Neste sentido, prega esta autora que as idéias e ferramentas de gestão empresarial, quando transferidas para o setor público, não tocam na dimensão sociopolítica de gestão, já que os “modismos gerenciais” tendem a pactuar com uma visão esquemática do mundo e ignorar a complexidade da gestão pública.

Não se quer aqui negar os benefícios da transferência de técnicas do setor privado para o publico, mas sim mostrar que existem características do Estado Gerencial a se considerar, fundamentais para se entender certas limitações dos conselhos gestores de políticas públicas, e ponderações a se fazer sobre a necessidade de novas experiências de gestão publica que compatibilizem com a efetividade do interesse publico e às novas tendências democráticas de importância da participação deliberativa da esfera pública no foco do poder. Apesar do discurso participativo, o esquematismo gerencialista da Nova Gestão Pública dificulta o tratamento da interação dos aspectos técnicos e políticos, não se mostrando capaz de lidar com a complexidade da vida política[5], principalmente com relação aos anseios sociais de ponderação e racionalização das ações governamentais

Porém, as inovações do Estado Gerencial não objetiva, em sua essência, responder às necessidades, aos desejos e anseios da maioria dos cidadãos, mas sim parte do pressuposto de que o interesse público se consolida por meio da eficiência no desempenho dos serviços públicos. Entretanto, tais inovações visam apriorísticamente possibilitar que os interesses das pessoas pertencentes às organizações, e intermediados pelas transações dos gerentes, sejam melhor atendidos. Neste sentido, o Estado Gerencial desafia os anseios democratizantes dos institutos e processos da Administração Pública, na execução de sua atividade-fim, qual seja, a busca pelo interesse público.

Além disso, consoante entendimento de Paula (2006), a implantação do gerencialismo na Administração Pública brasileira não resultou em uma ruptura da linha tecnocrática. Pelo contrário, continuou a reproduzir o autoritarismo e o patrimonialismo tão rejeitado pelos críticos do Estado Burocrático brasileiro, desenvolvimentista- intervencionista. Isto, porque o processo decisório continuou como monopólio do núcleo estratégico do Estado e das instancias executivas[6]. O fato é que a estrutura e a dinâmica do Estado pós-reforma não garantiram uma inserção eficaz e abrangente da sociedade civil nas decisões estratégicas e na formulação de políticas públicas.

Com efeito, a reforma gerencial implementada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, deu nova roupagem à concentração do poder no núcleo estratégico, separando os grupos técnicos dos políticos. Este isolamento dos “decisores técnicos” acabou deixando a participação popular em segundo plano. (PAULA, 2006, p. 143).

4. As Teorias Deliberativas: parâmetro para a reforma da Administração Pública

As teorias deliberativas fornecem um arcabouço teórico fundamental na medida em que justificam a importância em se estruturar as instituições estatais existentes em prol da ampliação de canais participativos, sempre em busca da legitimidade democrática das decisões proferidas em arenas deliberativas específicas e estruturadas. O reconhecimento da importância da deliberação pública, consoante as palavras de Hendriks (2006, p.491),

“(…) advém da rejeição de procedimentos decisórios baseados na agregação de votos ou na competição de interesses, dos quais resultam em resultados arbitrários e irracionais. Por outro lado, decisões coletivas advindas do modelo deliberativo de democracia são determinadas através de uma razão pública reflexiva”.

A institucionalização de novos canais deliberativos na Administração Pública, de acordo com a teoria deliberativa, urge se desenvolver em duas perspectivas: (i) tanto na “macro” concepção, qual seja, a que foca na formação de opinião da esfera pública sobre o objeto em deliberação, através de um complexo de “redes mutuamente entrelaçadas e sobrepostas e associações de deliberação, contestação e argumentação” (HENDRIKS, 2006, p. 493); (ii) como na “micro” concepção, justamente aquela em que se concentra na necessidade se de “definir e discutir a natureza de um procedimento deliberativo e sua condição ideal de realização” em um espaço deliberativo delimitado (HENDRIKS, 2006, p. 491), em vista de uma “produção de decisões coletivas com a participação de todos aqueles que serão afetados pela decisão ou por seus representantes” (HENDRIKS, 2006, p. 492)[7].

Deliberação Pública, portanto, não é decisão política, nos termos usualmente aceitos. Trata-se de um conceito bem mais amplo, o qual envolve a ponderação e discussão de uma decisão pública que possa nos afetar. E sua importância não está no conceito de união de interesses majoritários em procedimento de votação, este somente um instrumento de escolha política, mas sim na colocação de perspectivas e justificação de posições entre pessoas diretamente envolvidas em determinado assunto, tal como os cidadãos e os gestores públicos, quando se trata da elaboração de uma ação governamental. Na Democracia Deliberativa, uma decisão somente é coletiva quando emerge de arranjos de escolha coletiva que estabelecem condições de argumentação pública e livre entre iguais, que são governados pelas decisões (COHEN, 1998, p. 186).

Como corolário de seus preceitos da razão comunicativa, Habermas (2006) defende a importância de uma política deliberativa, conforme o qual as instituições estatais devem ser construídas com base em uma “racionalização da dominação pública”, através do esclarecimento recíproco e da plena formação da opinião pública. Nesse sentido, Habermas entende que,

“O paradigma deliberativo oferece como seu principal ponto de referência empírica de um processo democrático, o qual é pressuposto para gerar legitimidade através de um procedimento de formação da opinião e da vontade que garante (a) publicidade e transparência para o processo deliberativo, (b) inclusão e igual oportunidade de participação, e (c) uma presunção justificada de resultados razoáveis (principalmente em vista do impacto sobre as mudanças de argumentos racionais de preferência)” (HABERMAS, 2006, p. 413).

Essa racionalidade pública vincula-se com conectividade reflexiva entre os cidadãos, os quais constroem juntos os seus anseios, sempre levando em consideração a perspectiva e interesses do outro. É a necessária “internalização das expectativas sociais”, a que se referia Mead (1934), no começo do século XX, da qual era resultante de um processo de comunicação bem sucedido entre seus participantes.

O consenso absoluto de um ato estatal não é o foco da teoria deliberativa, mas sim a discussão de expectativas e interesses dos potencialmente atingidos. Tal como ensina Chambers (2003, p. 309), é o princípio da responsividade, ou accoutability, que se deve procurar aprimorar nas instituições estatais. E a Democracia Deliberativa é uma forma de governo na qual cidadãos livres e iguais, e seus representantes, devem justificar reciprocamente suas razões e decisões, por meio de argumentos que sejam mutuamente aceitáveis e acessíveis a todos[8].

São vários os benefícios que a ampliação de canais deliberativos pode trazer para uma Democracia. Para Cooke (2000), os argumentos em prol da deliberação pública trazida pela literatura pertinente podem ser resumidas em cinco: (i) o reflexo na educação política dos cidadãos, ou seja, o aprimoramento das capacidades morais e intelectuais dos indivíduos participantes; (ii) o fortalecimento do sentido da comunidade; (iii) a justiça do procedimento, já que envolve uma troca discursiva entre pessoas iguais; (iv) o contributo para a racionalidade dos resultados democráticos; e (v) o significado para os ideais contemporâneos de democracia, tais como a propagação de uma visão contextualizada de autoridade, a valorização da autonomia e da publicidade e da igualdade moral. Cooke (2000) se partidariza mais com este último argumento, para quem o modelo de Democracia Deliberativa está mais articulado a alguns valores fundamentais do mundo ocidental contemporâneo.

De fato, para a teoria deliberativa não há dúvidas acerca da necessidade de ampliação dos canais de ponderação dos cidadãos sobre as ações governamentais. Lado outro, tal preceito vê-se incompatível com certas práticas decisórias centralizadoras e tecnocratas em modelos de Administração Pública inspirados no gerencialismo.

Avritzer e Pereira (2005, p. 4) pontuam que, nos últimos vinte anos, vários “processos de democratização, de descentralização política e econômica e de Reforma do Estado fizeram-se acompanhar da emergência de novos atores públicos e privados na cena política”. E ainda completa que,

“A política pública torna-se mais complexa com a multiplicação de atores e espaços de decisão e com a ampliação dos espaços de discussão e deliberação, o que preconiza um novo agir político, ‘uma partilha renovada de decisões e poderes institucionais […] e uma nova ação social debatida, negociada, mais próxima dos cidadãos’”. (AVRITZER; PEREIRA, 2005, p. 4).

Contudo, esse “novo agir político” está longe de ocorrer na prática. Não obstante a existência de um consenso teórico patrono da ampliação da participação direta e indireta dos cidadãos no Estado, via de regra, as recomendações teóricas têm sido relegadas pelos gestores públicos do Estado Gerencial.

Conforme defendido por correntes deliberacionistas[9], é fundamental para a Administração Pública se pautar na importância de se valorizar públicos descentrados e criar mecanismos de atuação de uma esfera pública, que se engaje em um trabalho reflexivo e democrático. De acordo com tais acepções, é improfícuo o Estado dar ampla publicidade sobre as ações governamentais e permitir o debate prévio de medidas, se não há um “feedback” institucionalizado, um mecanismo de ponderação de expectativas, pontos de vista, de interesses, de efetividade e conveniências sobre a política pública a ser decidida pelo núcleo estratégico.

Para a real legitimidade democrática, é insuficiente pensar que tal cúpula decisora da Administração Pública foi escolhida por representantes “legitimados” nas urnas, pois a eleição é somente um dos momentos democráticos e consubstanciam, de acordo com a literatura mais moderna, somente um instrumento de escolha de governantes, dentre as opções políticas apresentadas.

Neste sentido, de nada adianta a representação política se não houver a participação ativa dos cidadãos no monitoramento, na ponderação e racionalização da atuação dos agentes eleitos, ou melhor, a ampla deliberação pública sobre os posicionamentos e políticas a serem adotadas por eles, não depois, mas antes de sua elaboração. E, como bem ressalta Young (2006, p. 155), a participação está estritamente ligada ao processo de harmonização da legitimidade representativa e, por isto, deve haver uma participação intensa dos cidadãos para a efetivação dos processos de prestação de contas (accoutability).

É com base em tais considerações – dentre outras aqui não abarcadas – que torna válido afirmar que a Nova Gestão Pública não é um sistema de administração pública perfeito, intangível e autônomo. Pelo contrário, tal sistema necessita de reforma para o devido encaixe de canais deliberativos essenciais para a devida legitimação democrática das ações governamentais. Sem isso, a Administração Pública Gerencial se resumirá em um sistema ilusório de democratização e de controle de profissionais da Ciência da Administração, basicamente em um sistema político autopoiético, tal o qual repelido por Habermas (1997), ao sustentar as vantagens de seus preceitos da razão comunicativa para a concretização da Democracia. É justamente nessa ilusão em que os conselhos gestores de políticas públicas encontram uma barreira à consecução de seus fins deliberativos, conforme veremos abaixo.

5. Os conselhos gestores de políticas públicas a experiência municipal brasileira

Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas são órgãos públicos de composição paritária entre representantes da sociedade e do Estado, criados por lei e regidos por regulamento interno editado pelo respectivo conselho e que assumem atribuições consultivas, deliberativas e de controle social. Cada conselho diferencia por sua paridade, que é a correlação de forças e alianças que devem ser estabelecidas para consolidar um determinado projeto ou política pública (PAULA, 2006, p. 164).

Os conselhos gestores de políticas públicas são canais participativos, propiciadores de um novo padrão de relações entre o Estado e a sociedade, principalmente em nível municipal, já que, em tese: (i) viabilizam a participação dos diferentes segmentos sociais na formulação das políticas sociais; (ii) possibilitam à população o acesso aos espaços aonde são realizadas decisões políticas; e (iii) criam condições para um mecanismo de vigilância sobre as gestões públicas, implicando em maior efetividade na prestação de contas do Poder Executivo (GOHN, 2006, p. 9).

Sua existência não é nova no Brasil, tendo surgido na década de 1980. Desde então, proliferou-se de tal forma que, segundo Carvalho (1998, p. 15), nos mais de 5 (cinco) mil municípios brasileiros existem mais conselheiros do que vereadores. Tal proliferação, taxada de uma espécie de “febre conselhista”, é responsável por absorver um grande número de lideranças, além de segmentar a participação social, “setorizando o encaminhamento de políticas” e “reduzindo a capacidade da sociedade de ocupá-los com qualidade, democratizando-os e tornando-os mais eficazes” (CARVALHO, 1998, p. 16).

No entanto, não há que se olvidar da importância do escopo deste espaço público como um canal deliberativo para a formulação e monitoramento de ações governamentais. Segundo Carvalho (1998, 15), há duas condições para o sucesso deste empreendimento deliberativo. Primeiro (i), é a necessidade de ele ser plenamente transparente, existindo mecanismo para possibilitar o amplo conhecimento da máquina e dos caminhos da política. A segunda condição (ii) é a necessidade de amparar os conselheiros de um conhecimento técnico e político no que tange ao objeto das políticas públicas debatidas e para melhor calcular as estratégias de negociação de prioridades e interesses.

Teixeira (2000, p. 93), por sua vez, entende que existem três requisitos para a eficiência dos conselhos, em sua capacidade de deliberação: (i) a existência da paridade de condições de acesso à informação, de capacidade técnico-política dos conselheiros e de disponibilidade de tempo e recursos físicos humanos e tecnológicos; (ii) a garantia de que a escolha dos conselheiros seja democrática e que os mesmos sejam submetidos ao controle e responsabilização de seus atos; (iii) a necessidade de publicização do conselhos, com divulgação de seus atos e importância da esfera pública para a discussão política de sua pauta.

É plausível que a existência de uma devida normatização abrangente, que tenha por finalidade a concretização dos mencionados requisitos e condições, consiga tornar os conselhos gestores de políticas públicas em um promissor espaço deliberativo em prol de uma Gestão Pública democrática.

Com base nas teorias deliberativas aqui explanadas, pode-se crer que os conselhos gestores de políticas públicas poderão se consolidar como verdadeiros espaços macro e micro deliberativos, desde que haja a devida institucionalização de medidas que garantem, dentre outras, as condições de: (i) transparência e ampla publicidade de todos os atos estatais a serem levados à apreciação dos conselhos; (ii) igualdade de condições de todos os participantes, o que inclui amparo no conhecimento teórico e político dos conselheiros e ampla capacidade inclusiva; (iii) aprimoramento de procedimentos de justificação recíproca de argumentos, por meio de um “feedback” obrigatório e institucionalizado; (iv) garantia de prestação de contas do resultado alcançado na deliberação, levando as questões discutidas para a sociedade civil.

Vale dizer que, atendendo às condições acima, os conselhos gestores de políticas públicas: (i) funcionarão como órgãos públicos que se põem como redes entrelaçadas e sobrepostas de deliberação, contestação e argumentação e um espaço de produção coletiva com a participação dos potencialmente afetados pela decisão (HENDRIKS, 2006); (ii) configurar-se-ão como órgãos que se prezam pelo esclarecimento recíproco e pela plena formação da opinião pública (HABERMAS, 2006); (iii) constituirão em espaços que possibilitam a “internalização de expectativas sociais” pelos gestores públicos de forma mais eficaz e democrática; (iv) consubstanciarão em instituições que pautam pela responsividade como princípio básico, tendo em vista que haverá o devido “feedback” entre os cidadãos que discutiram as políticas públicas de acordo com suas expectativas e interesses (CHAMBERS, 2003).

Todavia, por mais que se trate de um formato interessante para a consolidação da Democracia Deliberativa na Administração Pública, os conselhos gestores de políticas públicas estão longe de cumprirem plenamente o viés deliberativo. Percebe-se certa dependência dos conselhos gestores para com a boa vontade dos governos locais para a obtenção das informações necessárias e dos recursos materiais para o seu devido funcionamento.

Além disso, acrescenta-se que é perceptível certo esvaziamento do sentido dos conselhos por parte da cúpula do governo local (CARVALHO, 1998, p. 16): (i), seja por ignorar suas decisões; (ii) seja por limitar a pauta a assuntos periféricos e não levar questões estratégicas do governo para a deliberação dos conselheiros; (iii) seja pela indicação, aos conselhos gestores, de funcionários públicos pouco representativos.

Ainda, vale ressaltar que a proliferação desorganizada de conselhos gestores é inócuo e ineficaz para o desenvolvimento deste instituto, por ensejar em maior desordenamento de seu funcionamento e por agravar o quadro de incapacitação e não comprometimento de seus conselheiros. É ainda improfícua se tal proliferação, por mais organizada que seja, se der somente na esfera municipal, tendo em vista a competência legislativa residual desta esfera de governo. De fato, a importância deliberativa dos conselhos gestores de políticas públicas só se concretizaria se fosse possível se institucionalizar, de forma plena, nas competências federais e estaduais e não meramente com caráter consultivo.

A tais limitações é relevante acrescentar que os conselhos gestores de políticas públicas não possuem um formato adequado e pronto institucionalmente, sendo que cada um possui suas particularidades. De fato, a existência de tal instituto não é obrigatória na estruturação de quaisquer dos entes federados, não sendo abarcado pela organização político-administrativa definida na Constituição da República de 1988, o que deixa a desejar no que tange à sua importância institucional na Gestão Pública brasileira.

Por tais limitações, somado às características centralizadoras e tecnocratas do Estado Gerencial brasileiro, é de se concluir que os conselhos gestores de políticas públicas estão longe de se concretizarem efetivamente como um espaço deliberativo e de terem um papel estruturador no processo de tomada de decisão da Administração Pública. Muito há que se desenvolver para que possa ser considerado, enfim, um instituto deliberativo e essencial dentro das competências decisórias do gestor público.

Como bem pontua Paula (2006, p. 165) é importante, portanto, criar novos arranjos institucionais que estimulem a mobilização social e possibilitem maior inserção da sociedade nos conselhos, bem como a amarração entre as esferas de governo, pois que “os conselhos verticalizados têm maior alcance político, penetração intersetorial e oportunidade de transcender restrições orçamentárias”.

Sendo assim, pode-se dizer que a experiência, dita deliberativa, dos conselhos gestores de políticas públicas no Brasil precisa muito amadurecer e aprimorar institucionalmente para se tornar, de forma efetiva e institucionalizada, um espaço democrático, consoante os preceitos da Democracia Deliberativa.

6. Conclusão

Ao abordar a emergência, as características e as limitações da Nova Gestão Pública, pretendeu-se aqui visualizar os caminhos para a realização de uma reforma administrativa em prol de um novo paradigma de gestão, mais democrática, amparado pelos ideais deliberativos. Neste contexto, o presente trabalho focou-se nos conselhos gestores de políticas públicas justamente para mostrar que muitos de seus limites e desafios encontram explicação nas características negativas do gerencialismo e solução em tais preceitos deliberacionistas.

De fato, o presente trabalho pretendeu elucidar porque a ampliação de canais deliberativos na organização da Administração Pública moderna é importante para ocorrer a devida ponderação racional das ações governamentais e, assim, alcançar a legitimidade democrática de seus atos e viabilizar a efetividade administrativa. Ora, a devida ampliação deliberativa: (i) fornece à gestão pública um novo formato procedimental de construção legítima das ações governamentais, o que se dá através do choque de perspectivas e argumentos racionais produzidos por potenciais interessados e potencialmente atingidos, os quais terão igual direito à participação; (ii) permite a consecução mais efetiva do tão perseguido interesse público, finalidade primeira do Estado. Pode-se dizer que tal institucionalização é medida urgente e o devido funcionamento dos preceitos da Democracia Deliberativa será mais relevante para o exercício da cidadania do que o próprio voto que, como visto, é um mero procedimento para o exercício do direito de escolher representantes.

Neste ponto, é que se combatem a tese daqueles conformistas que se negam em pensar de tal forma, afirmando que os atos dos representantes e do núcleo estratégico do Estado são legítimos, posto que seus “decisores” foram legitimados pelas urnas. Para o exercício pleno da democracia, o que importa é que os cidadãos não só escolham aqueles agentes públicos que se investirão de competências executivas e legislativas, mas também que se sintam como partícipes na construção dos atos da coisa pública e, assim, de seu futuro. E isto somente se concretizará com a devida efetivação dos preceitos deliberativos, os quais racionalizam a formulação das ações governamentais através da ponderação de argumentos baseados em perspectivas, interesses e visões de mundo diferenciados. Em outras palavras, sem que haja o império da deliberação pública em macro e micro esferas públicas estruturadas e institucionalizadas em rede, os gestores públicos não terão condições de prever e compreender o pluralismo vigente na sociedade contemporânea. Ao lado disso, a ampliação de canais deliberativos ensejarão em maior eficiência na prestação de contas dos atos dos gestores públicos, já que a responsividade é característica básica da deliberação pública.

O escopo deliberativo dos conselhos gestores de políticas públicas, de fato, muito tem que se desenvolver. Como visto, os conselhos gestores de políticas públicas apresentam limitações – baixa representatividade dos gestores públicos, incapacitação dos conselheiros, assuntos periféricos e não abrangentes e dependencionismo da boa vontade política dos governantes – que impõe barreiras à concretização da deliberação pública nestes espaços.

Primeiro, porque tais limitações dificultam a concretização da responsividade nesses espaços, já que prevalece a hegemonia das decisões do núcleo estratégico do governo, cujos debates e projetos são intangíveis ao toque dos cidadãos. Segundo, porque, desse modo, tais espaços não consistem em arenas discursivas na abrangência necessária a transformar os cidadãos em co-autores das políticas públicas, estas decididas de forma heterônoma pelo Poder Executivo. Terceiro, não existirá em tais espaços a racionalidade pública na formulação dos atos da Administração Pública, nos moldes dos preceitos habermasianos, diante da inexistência do esclarecimento recíproco. De fato, o centralismo das decisões estratégicas e o neopatrimonialismo que se muniu o Estado Gerencial impedem a racionalidade pública das decisões coletivas, em predomínio de uma heteronomia atrasada, típica de Estados autoritários e tecnocráticos. Não rediscutir tal centralismo na Administração Pública ocasionará, em outras palavras, na normatização pelo outro e na imperatividade ilegítima, à luz dos preceitos deliberacionistas nos quais se sustenta o presente trabalho.

É necessário, portanto, aprofundar os estudos e desenvolver mecanismos que neutralizem a tendência centralizadora e neopatrimonialista do sistema institucional de tomada de decisão, tal como provoca a utilização, deturpada e incondicionada, das concepções gerencialistas na gestão pública. Por mais que exista o potencial deliberativo, os conselhos gestores de políticas públicas carecem de um aprimoramento institucional e de um debate teórico para seu devido ajustamento ao seu propósito deliberativo.

Além disso, para que seja possível o desenvolvimento de tais institutos, bem como de outros canais deliberativos, é necessário igualmente uma reforma dos preceitos principiológicos e organizacionais da Administração Pública previstos na Constituição da República de 1988. Com efeito, é necessário um novo pacto constitucional para a devida sistematização: (i) de novos institutos de co-gestão; (ii) do funcionamento de comissões no núcleo estratégico do Estado, (iii) de requisitos para a investidura de conselheiros em tais órgãos; (iv) para a facilitação dos conhecimentos necessários ao pleno exercício deliberativo; (v) a institucionalização de mecanismos discursivos amplos e de fiscalização de suas atividades, dentre outras medidas.

O que se deve impedir é que tais institutos, ditos deliberativos, se tornem programas estratégicos para a visibilidade de governos, sem alguma efetividade consoante os preceitos da Democracia Deliberativa. Tal estruturação deve advir de um resultado de pesquisas científicas, teóricas e empíricas, de reestruturação e viabilidade de tais instrumentos potencialmente deliberativos e, junto com ele, de um grande apoio político para sua concretização.

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[1] Cf. Paula (2006).

[2] Com base nas idéias difundidas pelos think tanks, reformas estatais bem sucedidas implantadas por Margaret Thatcher, no Reino Unido, e por Jimmy Carter e Ronald Regan, nos Estados Unidos da América, muito contribuiu para a popularização do pensamento neoliberal (PAULA, 2006, p. 37), tais como a descentralização administrativa – privatização de estatais e terceirização de serviços públicos – e a diminuição do Estado na seguridade social.

[3] Alguns autores, como Perry Anderson, defendem a ineficiência dessas medidas na solução dos problemas centrais da crise. Perry Anderson (1995, p. 23) afirma que, economicamente, “(…) o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria” . Contudo, os benefícios experimentados pelos preceitos do neoliberalismo ajudou em muito a visualização das falhas na eficiência e, isto, não se mostrou irrefutável.

[4] Cf. Abrucio (1997).

[5] Cf. Paula, 2006, p. 101.

[6] Ibid.

[7] Hendriks (2006) busca, ainda, compatibilizar as concepções micro e macro da democracia deliberativa, propondo um “sistema deliberativo integrado”, no qual têm grande importância as “esferas discursivas mistas” que, por sua vez, incentivam “atores que poderiam normalmente habitar os espaços macro (…) e micro (…) a entrar em contato com atores que normalmente são sub-representados em ambas as esferas (HENDRIKS, 2006, p. 501).

[8] Cf. Gutmann e Thompson (2004).

[9] Cf. Bohman (2007).

 

Murilo Melo Vale