O Sócio Murilo Melo Vale publicou o artigo “Infraestrutura e Sustentabilidade” no Diário do Comércio, comentando a agenda e principais projetos do segmento para o ano de 2022.
Confira na íntegra o texto publicado em 30/04/2022:
“A agenda de projetos de infraestrutura ainda é promissora para 2022, sendo que há diversos estudos e consultas públicas em andamento. Em convergência da agenda de novos investimentos em infraestrutura, possuem destaque as promessas da nova agenda ASG (Ambiental, Social e Governança), que podem modificar de maneira substancial as estratégias de estruturação de projetos públicos diante de novos requisitos de “sustentabilidade social e ambiental”, que vêm sendo impostas pelo poder público e por órgãos financiadores.
Sobre o tema de imposição de obrigações ASG via contrato, pode-se notar uma evolução exponencial de medidas que buscam não apenas submeter o setor privado a uma série de tradicionais encargos que visam impedir danos a direitos sociais e ambientais, e assim, sujeitam o setor privado a ser veículo precursor de ações afirmativas para a promoção de valores, diretrizes e metas sociais e ambientalmente adequadas. A crescente imposição de obrigações positivas que visam atingir metas socialmente adequadas são deveres especiais que estão cada dia com presença mais significativa no dia a dia das empresas.
No contexto europeu, a introdução de deveres de sustentabilidade ambiental vem crescendo desde o Tratado de Amsterdã (1997), no qual foram determinadas a imposição de normas de qualidade e a adoção de políticas de proteção que extrapolam a mera responsabilização decorrente do princípio do poluidor-pagador, mas também evidenciam a introdução da ideia da precaução ambiental em todos os setores da infraestrutura.
No Brasil, essa preocupação com mudanças regulatórias para a imposição dessas obrigações de proatividade ambiental e social iniciou de forma tímida, porém representativa, com a Agenda Ambiental na Administração Pública de 2008 e na edição da lei que trata da Política Nacional sobre Mudanças do Clima (Lei 12.187/2009). A própria lei de licitações (Lei 8.666) foi modificada para inserir o desenvolvimento nacional sustentável como um dos objetivos do procedimento, de modo a incentivar medidas de sustentabilidade, contudo sem estabelecer medidas práticas. Posteriormente, a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) avançou no sentido de permitir a exigência de certificações ambientais e a implementação de remuneração variável com base em atendimento de critérios de sustentabilidade ambiental.
Em que pese essa evolução normativa, nada é tão representativo do que o que vem ocorrendo nos últimos anos, indicando uma internalização e compreensão da própria sociedade civil sobre a importância de implementação de práticas ESG (do inglês Enviromental, Social and Governance), aqui também referido pela sigla ASG (Ambiental, Social e Governança). Muito se deve à visão ampliada do conceito de sustentabilidade, tal como foi influenciada pela divulgação dos “17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” pela ONU, que abarca diretrizes de desenvolvimento social e de instituições eficazes como pilares do crescimento sustentável.
Em 2021, muitas dessas diretrizes da sustentabilidade ampliada foi incorporada pela nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) ao, por exemplo, exigir a implantação de programas de compliance pelas empresas como condição para contratação, permitir vantagens negociais para quem desenvolver políticas de equidade de gênero, contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e egressos do sistema prisional, impedir contratação de empresas condenadas por adoção de trabalho infantil. No âmbito ambiental, também houve um grande avanço ao conceder mais competitividade a propostas que adotem produtos e serviços de acordo com ciclo de vida do produto mais adequado frente a métodos tradicionais de produção.
Não apenas isso. As práticas ASG vêm se tornando requisitos para a concessão de financiamentos para investimentos em infraestruturas, o que é essencial para a participação do setor privado em projetos públicos de concessão, PPPs e desestatizações. O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais foi pioneiro no Brasil na emissão de “títulos sustentáveis”, tendo realizado, em dezembro de 2020, uma operação de mais de 260 milhões na bolsa de Nova Iorque para financiamento de projetos com enfoque ambiental e/ou social. Nessa onda, o BNDES firmou recentemente, em 31/01/2022, um memorando de entendimentos com o Banco Mundial, com o objetivo de criar um “carimbo verde”, visando implementar um sistema para avaliação de empresas nas práticas ASG, o que pode ser decisivo para a concessão de financiamentos em infraestrutura. Inúmeros outros exemplos recentes podem ser citados.
Pode-se dizer que essa evolução, dita como exponencial, ainda é apenas uma ponta de iceberg de um volume cada vez mais crescente de medidas em que as empresas deverão se adaptar, de modo a que não sejam literalmente alijadas de um mercado cada vez mais competitivo, que é o da infraestrutura. Muitas novidades ainda virão em 2022 nessa nova conjectura.”