TJSP reforça validade da arbitragem mesmo com câmara extinta

A validade da cláusula arbitral frente à desativação da câmara: análise do acórdão do TJSP na Apelação Cível nº 1044846-69.2024.8.26.0576

Em julgamento recente, a 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo tratou de uma questão complexa e recorrente na prática contratual: a validade da cláusula compromissória arbitral quando a câmara arbitral originalmente indicada no contrato encontra-se desativada. A decisão, proferida em 29 de maio de 2025, tem repercussões importantes para a segurança jurídica dos contratos empresariais e para a interpretação da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96).

A controvérsia teve origem em ação proposta por DCLUB ACADEMIA LTDA. contra FEX ENGENHARIA LTDA., com pedidos de restituição de valores, lucros cessantes, danos morais e reconhecimento da nulidade da cláusula compromissória arbitral. A autora alegava que a câmara indicada para administrar a arbitragem estaria inativa, o que, em seu entendimento, inviabilizaria o uso da via arbitral e justificaria o acesso ao Poder Judiciário.

A sentença de primeiro grau extinguiu o processo sem julgamento de mérito, com base na existência da cláusula arbitral, o que foi contestado em sede de apelação. O TJSP, ao analisar o caso, reconheceu que o juízo de origem incorreu em “error in procedendo” ao extinguir de ofício o feito com base na cláusula compromissória. Isso porque, à luz do art. 485, §3º do Código de Processo Civil, a extinção do processo por convenção de arbitragem depende de provocação expressa da parte demandada – não podendo ser declarada de ofício pelo juiz.

Contudo, como a ré havia suscitado a existência da cláusula nas contrarrazões, o Tribunal considerou que a matéria estava suficientemente madura e, com base no art. 1.013, §3º, inciso I, do CPC, julgou diretamente a extinção do processo em segundo grau, sem devolução ao juízo a quo. Essa atuação foi devidamente fundamentada pela Corte, com apoio na jurisprudência consolidada do próprio TJSP e do Superior Tribunal de Justiça.

No mérito, o acórdão sustenta que a desativação da câmara arbitral não é, por si só, causa de nulidade da cláusula compromissória. Em linha com o art. 16, §2º da Lei de Arbitragem, o Tribunal entendeu que, salvo cláusula expressa em sentido contrário, a vontade das partes em adotar a via arbitral deve ser preservada. Assim, caso não haja consenso sobre a nomeação de novo árbitro ou câmara, a parte interessada deverá recorrer ao Judiciário para que seja feita a nomeação judicial, conforme prevê o art. 7º da mesma lei.

A decisão também trata de ponto relevante relacionado ao valor da causa. Inicialmente fixado em R$ 50.000,00, o montante foi corrigido de ofício para mais de R$ 2,4 milhões, a fim de refletir o real proveito econômico buscado pela autora – uma medida que impacta diretamente questões como competência, recursos e honorários sucumbenciais, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado.

Esse acórdão consolida uma posição relevante sobre a autonomia da arbitragem privada e os limites do controle judicial nesse campo. Ainda que se reconheça a possibilidade de dificuldades práticas com a desativação de câmaras, a preservação da intenção negocial das partes e o respeito ao regime legal da arbitragem continuam sendo a diretriz majoritária adotada pelos tribunais.

Para os profissionais que atuam na redação, revisão e disputa de contratos com cláusula arbitral, a decisão oferece valiosos elementos interpretativos e recomenda cautela redobrada na escolha e redação das convenções de arbitragem – especialmente quanto à previsão de substituição de câmaras ou árbitros e à definição de regras supletivas.

O debate permanece aberto quanto ao equilíbrio entre autonomia privada e proteção jurisdicional em situações-limite. Mas o recado do TJSP é claro: a arbitragem continua sendo um compromisso sério – mesmo diante da ausência da câmara originalmente eleita.