Depósito elisivo pode evitar a falência mesmo com dívida pós-Recuperação Judicial?

Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está mexendo com as engrenagens do mercado de crédito, reestruturação e recuperação empresarial no Brasil. O tema é técnico, mas tem impacto prático direto para empresários, credores e investidores: afinal, o devedor pode evitar a falência mesmo descumprindo um plano de recuperação judicial?

A resposta, segundo a Terceira Turma do STJ, é sim – desde que a dívida seja pecuniária e o devedor faça o chamado depósito elisivo. Mas o que isso significa na prática?

No julgamento do recurso especial, o colegiado decidiu que o juiz da recuperação judicial continua prevento (ou seja, responsável pelo caso) até o encerramento definitivo do processo. Mais importante: confirmou que o devedor pode evitar o pedido de falência com o depósito do valor devido, mesmo que a origem da dívida seja o não cumprimento de obrigações financeiras previstas no plano de recuperação.

Esse entendimento ampliou a aplicação do art. 98, parágrafo único, da Lei de Falências e Recuperação (LREF), equiparando a inadimplência de obrigações pecuniárias do plano de RJ a uma impontualidade tradicional.

A decisão, embora aprovada por maioria, não foi unânime. Parte da Corte demonstrou preocupação com os riscos de distorção no sistema. Segundo os votos divergentes, a flexibilização pode incentivar o chamado “calote estratégico”: devedores poderiam postergar pagamentos, contando com a chance de se livrar da falência com um depósito de última hora.

Para os credores, isso enfraquece o efeito coercitivo do pedido de falência – frequentemente usado como último recurso para forçar o cumprimento de um plano.

Empresas em dificuldade financeira agora contam com mais uma ferramenta para evitar a falência e proteger contratos, fornecedores e financiamentos. Mas para os credores e investidores, a decisão exige revisão de estratégias.

Quem atua em recuperação de ativos ou compra créditos de empresas em crise (os chamados “distressed assets”) terá de recalcular riscos. Afinal, a chance de adquirir ativos por valores de liquidação diminui se o devedor pode simplesmente evitar a falência com um depósito emergencial.

Frente a esse novo cenário, especialistas recomendam:

  • Para credores: fortalecer cláusulas de contratos com garantias adicionais e gatilhos de vencimento antecipado;
  • Para devedores: manter governança financeira rígida e acesso a crédito para reagir a cobranças inesperadas;
  • Para investidores: considerar esse novo “colchão jurídico” nas análises de viabilidade.

Além disso, administradores judiciais devem revisar com rigor os depósitos elisivos feitos em juízo – assegurando que incluam correções, juros e custas – sob risco de contestação futura.

O entendimento do STJ pode ser revisto por outras Turmas ou até pelo STF, o que traz insegurança jurídica até uma possível pacificação. Há também pressão legislativa para delimitar prazos e condições para o uso do depósito elisivo após a RJ.

A decisão da Terceira Turma do STJ realinha o equilíbrio entre proteção à atividade empresarial e os direitos dos credores. Resta saber se o sistema vai responder com mais confiança na preservação de negócios ou com prêmios de risco mais altos.