Depósito elisivo após recuperação judicial: o STJ mudou o entendimento no julgamento do REsp 2.186.055?

Depósito elisivo pós-RJ: a virada (silenciosa) no STJ

A decisão da Terceira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça no REsp 2.186.055/PR, proferida em 20 de maio de 2025, representa mais que um simples desfecho para a disputa entre uma cooperativa de crédito e uma indústria têxtil paranaense: ela sinaliza o realinhamento das coordenadas jurídicas e financeiras que orientam todo o mercado de reestruturação no país.

Primeiramente, porque o colegiado, por maioria apertada, reafirmou que o juízo da recuperação judicial permanece prevento para analisar um pedido de falência ajuizado antes do trânsito em julgado da sentença de encerramento da RJ. Desse modo, evitou-se o fracionamento de competências, garantindo coerência processual e impedindo manobras de “shopping” de foro por credores insatisfeitos.

Em segundo lugar – e aqui reside o verdadeiro ponto de inflexão – a Turma chancelou a possibilidade de o devedor afastar a falência mediante depósito elisivo mesmo quando o inadimplemento se refere a parcela pecuniária prevista no plano homologado. Embora o art. 98, parágrafo único, da LREF mencione apenas as hipóteses do art. 94, I e II, a relatora, ministra Nancy Andrighi, sustentou que impedir o uso do depósito numa dívida pecuniária que, na prática, equivale a impontualidade injustificada violaria a teleologia de preservação empresarial que permeia toda a lei.

Assim, equiparou-se o descumprimento do plano (art. 94, III “g”) à impontualidade clássica (art. 94, I), desde que a obrigação descumprida seja estritamente pecuniária.

Não obstante, a divergência capitaneada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, seguida por Humberto Martins, lançou alertas contundentes: ao flexibilizar a hipótese legalmente “taxativa”, o Tribunal criaria risco moral, pois o devedor passaria a negociar prazos com os credores apostando na possibilidade de “pagar só quando cobrado”. Isso, por conseguinte, elevaria o custo de crédito em toda a cadeia produtiva e enfraqueceria o poder coercitivo da ameaça de falência – tradicional gatilho para cumprimento do plano.

Enquanto os argumentos se chocam, os efeitos práticos já se projetam. Para os devedores, abre-se uma válvula de escape: diante de um soluço de caixa, é possível levantar recursos de emergência e fazer o depósito integral, evitando imediatamente a falência e preservando contratos, licenças, convênios financeiros e cadeias fornecedoras. Para os credores, contudo, o jogo se torna mais complexo; o pedido de falência deixa de ser bala de prata e vira, em muitas situações, mero instrumento para forçar pagamento à vista – o que embute custos judiciais adicionais e, se mal calibrado, resulta na frustração do objetivo principal de pressão.

Além disso, investidores em “distressed assets” precisarão recalcular expectativas de retorno: se a dívida pode ser curada a qualquer momento, a chance de adquirir ativos por valores de liquidação diminui, exigindo análises mais finas sobre a capacidade de geração de caixa do alvo de investimento. Por extensão, as agências de rating serão levadas a ajustar seus modelos para refletir esse novo “colchão jurídico” que torna a falência um desfecho mais remoto quando há caixa ou crédito para viabilizar o depósito.

No âmbito regulatório, pairam diversas incógnitas. A Quarta Turma, historicamente cautelosa com interpretações extensivas da LREF, seguirá o entendimento da Terceira ou firmará posição divergente, criando insegurança até eventual afetação à Corte Especial?

Haverá movimento legislativo – já ventilado por associações de credores – para delimitar percentuais, prazos ou condições ao depósito elisivo aplicado ao art. 94, III?

E, em cenário extremo, o STF seria instado a arbitrar sobre eventual violação ao princípio da legalidade estrita em matéria de falência?

Enquanto o futuro se desenha, é indispensável que credores revisem contratos pós-RJ, acrescentando cláusulas de aceleração automática e garantias complementares ligadas a triggers de inadimplemento, e que devedores reforcem a governança de tesouraria, mantendo reservas mínimas ou linhas de crédito standby capazes de suportar eventual necessidade de pagamento integral súbito. Já os administradores judiciais precisam aprimorar rotinas de conferência para atestar que o depósito abrange principal, juros, correção e custas, sob pena de verem a extinção da falência ser contestada.

Em síntese, a decisão do C. STJ reposiciona, de maneira silenciosa, porém profunda, o eixo de distribuição de riscos entre quem financia e quem reestrutura. Resta saber se o sistema responderá com maior confiança na continuidade de negócios viáveis ou com prêmios de risco mais salgados para compensar a perda do vetor coercitivo da falência.

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