Considerações sobre as novas exigências de caução ambiental para mineradoras

CONTEXTO SOBRE O DECRETO ESTADUAL Nº 48.747/2023. 

O Decreto estadual nº 48.747 de 29 de dezembro de 20231 regulamenta o instituto da caução ambiental, previsto no art. 7º, inciso I, “b” e inciso III, “b” da Lei estadual de Minas Gerais nº 23.291/2019, que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens (“PESB”). Em linhas gerais, trata-se de uma garantia prestada pelo empreendedor que possua barragens, nas suas instalações, a fim de que esteja assegurada a existência de recursos, na ocorrência de eventuais sinistros, ou para o momento de descaracterização da estrutura.  

O Decreto estadual nº 48.747/2023 determina que a caução ambiental é devida por todos os empreendedores, cujas barragens se enquadrem em, pelo menos, uma das características indicadas no parágrafo único do art. 1º da PESB:  

  1. altura do maciço maior ou igual a 10m, contada do ponto mais baixo da fundação à crista;  
  1. capacidade total do reservatório maior ou igual a 1.000.000m³;  
  1. reservatório com resíduos perigosos; potencial de dano ambiental (PDA) médio ou alto.  

Vale a ressalva que empreendedores que possuam mais de uma barragem deverão apresentar caução individualizada para cada estrutura, conforme disposto no §2º do art. 5º do Decreto. 

O art. 2º do Decreto parametriza o valor devido a título de caução em função de três parâmetros:  

  1. área do reservatório da barragem, contemplando a área ocupada pelo rejeito ou pelo resíduo e água, em metros quadrados;  
  1. classificação e finalidade da barragem, nos termos do Decreto Estadual nº 48.140/2021;  
  1. custo estimado dos projetos de descaracterização de barragens por área.  

A partir dessas variáveis, então, de acordo com o art. 2º, §3º e com os Anexos I e II do Decreto estadual nº 48.747/2023, se calculará o montante devido. 

Em seguida, o art. 3º do Decreto apresenta disposição claramente alinhada com o princípio da prevenção, ao determinar que a caução deve ser mantida durante toda a vida útil da barragem, entendida como o intervalo de tempo entre a instalação e o término do procedimento de descaracterização, incluindo a fase de recuperação socioambiental da área impactada.  

Dessa forma, assegura-se que será viável lidar com qualquer eventualidade, até o encerramento de todas as atividades da estrutura. Também é pertinente acrescentar que foi muito válido o aporte do Decreto, ao estabelecer a manutenção da caução até após o término da descaracterização da referida barragem, pois esse é um procedimento longo e altamente custoso, que frequentemente é deixado inacabado por falta de verba do empreendedor. Assim, o intuito do Decreto era justamente resolver tal problema. 

Adiante, o art. 5º positiva as modalidades de garantia que o empreendedor poderá escolher para instituir a caução ambiental, podendo adotar uma, ou combinar várias para cobrir o valor devido. São elas:  

  1. depósito em dinheiro;  
  1. título de crédito bancário de emissão do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG);  
  1. fiança bancária;  
  1. seguro-garantia;  
  1. hipoteca de bens imóveis urbanos ou rurais; ou  
  1. alienação fiduciária de bens imóveis. 

Nesse sentido, os parágrafos do art. 5º e os arts. 6º a 11 detalham as exigências associadas a cada opção. As modalidades de garantia podem ser combinadas em uma mesma caução. Há, todavia, limitação para as duas últimas hipóteses (hipoteca e alienação fiduciária), que só podem corresponder a 50% do valor da caução. 

Adiante, o art. 12 do Decreto, manda que a proposta de caução ambiental seja apresentada ainda na etapa de Licença Prévia do licenciamento ambiental da barragem e adverte que ela estará condicionada à aprovação do órgão ambiental do Sisema. Nesse sentido, pelo art. 14, a caução ambiental se tornou um elemento importante do procedimento licenciatório, visto que eventual reprovação acarretará o arquivamento do procedimento por inteiro. 

Acerca dos prazos referentes à caução ambiental, para as barragens licenciadas após a publicação do Decreto estadual nº 48.747/2023 (30/12/2023), a apresentação da proposta de caução ambiental será exigida na fase de licenciamento prévio (“LP”) e a comprovação de sua implementação na fase do licenciamento de operação (“LO”)  

De se notar que o Decreto prevê um prazo mais exíguo de 90 dias para a apresentação de propostas de caução de barragens com LP ou de instalação (“LI”) concedidas anteriormente à entrada em vigor do Decreto. a eles, era preciso apresentar a proposta de caução ambiental no âmbito do processo de licenciamento ambiental até 25/09/2024, sendo que a comprovação da implementação da caução, com a devida atualização do valor, deve ser apresentada para a obtenção da LO. 

O mesmo prazo de 90 dias para apresentar a proposta de caução ambiental no âmbito do processo de licenciamento ambiental, acompanhada do respectivo cronograma de implementação se aplica, também, aos empreendedores que possuam barragens em operação, desativadas ou em processo de descaracterização. Nesses casos, o cronograma de implementação, por sua vez, pode ter como prazo máximo 30/12/2026, sendo obrigatória a implementação de, pelo menos, 50% do valor da caução até 30/12/2024; mais, pelo menos, 25% até 30/12/2025; e os 25% restantes até 30/12/2026. 

 Finalmente, pelo art. 19 do Decreto, a execução da caução ocorrerá na medida em que a Fundação Estadual do Meio Ambiente (“Feam”) atestar o abandono da barragem, ou a ocorrência de algum sinistro. O art. 20, contudo, enfatiza que a execução da caução não configura uma excludente de responsabilidade do empreendedor, que ainda deverá arcar com a reparação integral dos danos causados pela sua estrutura. Somente se não ocorrer nenhum sinistro, se a descaracterização da barragem for atestada pela Feam e se a recuperação socioambiental da área impactada for certificada pelo órgão ambiental que o empreendedor poderá levantar a caução ambiental, conforme o art. 22 do Decreto.  

PRINCIPAIS CRÍTICAS AO DECRETO ESTADUAL Nº 48.747/2023 

Desde a sua edição, o Decreto estadual nº 48.747/2023 sofreu duas reformas. Primeiro, em fevereiro de 2024, pelo Decreto estadual nº 48.795, que dilatou o prazo de apresentação da caução pelos empreendedores de 90 para 180 dias contados da publicação original em dezembro de 2023. Segundo, em junho de 2024, pelo Decreto estadual nº 48.848, o qual, além de prorrogar novamente o termo final de apresentação da caução pelos empreendedores (passando a ser 25 de setembro de 2024), promoveu uma série de alterações substanciais voltadas a corrigir deficiências do regulamento original (sem, contudo, resolver todos os seus problemas). 

Contudo, apesar dessa frequente renovação do texto, o Decreto estadual nº 48.747/2023 continua apresentando defeitos a serem sanados, com destaque para os seguintes: 

  1. Obrigatoriedade de implementação da caução ambiental de uma só vez, e não em fases, para as barragens licenciadas após a publicação do Decreto estadual nº 48.747/2023 (30/12/2023); 
  1. A previsão de modalidades de garantia demasiadamente restritas, a exemplo da possibilidade de emissão de títulos de crédito exclusivamente pelo BDMG; 
  1. Falta de clareza da norma sobre os critérios de admissibilidade das propostas de caução ambiental a serem avaliados pelo Sisema, bem como a ausência de um protocolo para o exercício do contraditório e da ampla defesa pelos empreendedores, em caso de negativa da proposta apresentada; e, por fim 
  1. Ausência de debate prévio com a sociedade sobre o ato normativo proferido pela administração. 

Sobre a primeira crítica, certos especialistas entendem que impor o depósito do inteiro valor da caução ambiental como condição para a emissão da LP é desarrazoado, sendo que seria mais acertado se houvesse um planejamento do pagamento da caução ambiental, ao longo da vida do estabelecimento2. Em contrapartida, outra parte da doutrina entende que essa disposição é correta, pois efetiva o princípio ambiental da prevenção3

Sobre o segundo ponto, enfatizam-se as modalidades do título de crédito que só pode ser emitido pelo BDMG, mesmo que o empreendedor tenha relação com outra instituição, até mesmo, mais segura e economicamente competitiva do que o BDMG; e o fato de o sistema financeiro – bancos e seguradoras – não estarem preparados para suportar o vulto de todas as cauções ambientais de MG de uma vez, ainda mais, pois não há metodologias prontas para métrica de riscos associados a barragens de mineração.  

Sobre o quarto ponto, o art. 14 do Decreto não especifica quais situações podem ensejar a recusa dos planos de caução ambiental por parte dos órgãos do Sisema, exceto em se tratando das modalidades de garantia hipoteca e alienação fiduciária.  

Por fim, sobre a falta de debate prévio, Riccio e Calazans apontam que o Decreto estadual nº 48.747/2023 foi editado sem que houvesse uma consulta pública previa, mas que, por se tratar de um ato normativo que impõe a obrigação às mineradoras de instituir caução ambiental, deveria ser aplicado o art. 29 da LINDB que diz :

“Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.”4  

Portanto, em decorrência do não atendimento ao art. 29 da LINDB, a rigor o Decreto estadual nº 48.747/2023 seria ilegal e passível de anulação, por força do art. 53 da Lei federal nº 9.784/1999 e do art. 64 da Lei estadual de Minas Gerais nº 14.184/2002. 

Nesse contexto, possíveis discussões judiciais podem se iniciar no contexto dessas críticas. 

Para maiores esclarecimentos entrar em contato com murilo@tavernard.adv.br