Atualmente, as startups se destacam como um setor dinâmico e inovador, com um papel crucial no impulso do crescimento econômico, na geração de empregos e na melhoria da qualidade de vida da população. Esse é o principal objetivo do Marco Legal das Startups.
A Lei Complementar nº. 182/21, instituiu o Marco Civil das Startups, introduzindo diversas ferramentas jurídicas inovadoras. Dentre as inovações trazidas pela Lei, podemos citar diversos incentivos para investidores em startups, incluindo a redução da carga tributária, e flexibilização da governança societária.
O Capítulo IV da PLP 146/2019 – projeto original da Lei – tratava das relações trabalhistas no contexto dessas empresas inovadoras. Este capítulo foi retirado do texto que seguiu para votação no Congresso Nacional, refletindo as complexidades e controvérsias em torno da adaptação das leis trabalhistas tradicionais às necessidades específicas das startups.
A nova versão apresentada, cadastrada como PLP 249/2020, foi apensada ao PLP 146/2019 – projeto original – e encaminhada para votação. A versão atualizada de 2020 foi considerada mais modesta, com menos pontos de alteração estrutural do ordenamento jurídico brasileiro, o que resultou em um texto consideravelmente diverso daquele originalmente apresentado em 2019.
O Capítulo IV do projeto original propunha um regime trabalhista diferenciado para startups, com o objetivo de oferecer maior flexibilidade nas contratações e na gestão da força de trabalho. No entanto, essa flexibilização foi vista com preocupação por alguns setores, que temiam a precarização das condições de trabalho e a redução de direitos dos trabalhadores.
No entanto, a flexibilização das normas trabalhistas proposta se mostrava pontual para fins de viabilizar a expansão e o desenvolvimento do novo mercado que têm surgido com as inovações tecnológicas e mercadológicas.
Dentre as flexibilizações originalmente previstas, podemos citar o aumento do tempo de duração do contrato de experiência, aumento do contrato por prazo determinado de trabalho, e possibilidade de pagamento exclusivamente por meio de remuneração variável, incluindo os planos de opção de compras de ações – stock options.
O debate em torno do Capítulo IV – e sua retirada do texto votado e sancionado – refletiu a dificuldade de equilibrar a necessidade de um ambiente regulatório favorável à inovação com a proteção dos direitos trabalhistas.
Embora as startups demandem maior flexibilidade para crescer e se adaptar rapidamente às mudanças do mercado, o protecionismo exacerbado ao trabalhador acaba por minar a evolução natural das relações trabalhistas, e consequentemente do mercado em que estão inseridas.
Nesse cenário, nos últimos anos, o STF – Supremo Tribunal Federal – tem proferido decisões que versam sobre a flexibilização das formas de emprego.
A discussão teve início em 2020 com o julgamento da ADC – Ação Direta de Constitucionalidade – nº 48 pelo STF, que declarou constitucional a Lei nº 11.442/2007, que regula o transportador autônomo de carga. Restou decidido que, preenchidos os requisitos da Lei, a relação comercial é de natureza civil, não havendo a configuração do vínculo de emprego.
Nesse sentido também já restou decidido que os motoristas que utilizam o aplicativo Uber para buscar passageiros não são obrigados a prestar serviços com eventualidade e assumem todos os riscos inerentes ao negócio, não havendo vínculo de emprego entre eles e a empresa.
Também já foram proferidas decisões em demandas que versavam sobre vínculo de emprego entre ex-franqueado e empresa franqueadora (RCL nº 58.333); motorista e empresa de aplicativo de transporte (RCL 59.795); cabeleireiro e salão de beleza (ADI 5.625); e contratação de profissionais liberais. Verifica-se, portanto, que o STF tem entendido pela possibilidade de formas alternativas de trabalho, que não a típica relação de emprego regida pela CLT.
Se trata de temas novos e ainda bastante controvertidos no Judiciário, no entanto, a cada dia mais tem se criado novas teses no sentido de serem aceitas outras modalidades de relações de trabalho, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, necessária a reflexão sobre a época em que se deu a discussão e votação do Marco Civil das Startups. A retirada do capítulo dedicado à flexibilização das normas trabalhistas se deu em 2020, época em que se iniciavam as discussões sobre as formas alterativas ao vínculo de emprego, e sua flexibilização pelo STF.
A atual discussão sobre a flexibilização das formas alternativas ao vínculo de emprego celetista tradicionalmente previsto na CLT, validaria a discussão sobre eventuais flexibilizações de pontos “menos impactantes” ao trabalhador – como duração de contrato por prazo determinado e forma de remuneração, por exemplo?
O objeto de discussão deve girar sobre o correto enquadramento das novas relações de trabalho que estão sendo criadas. Para que o enquadramento destas relações seja realizado sem qualquer vício, necessária a realização de uma releitura da Justiça do Trabalho, da Consolidação das Leis Trabalhistas, das novas formas de trabalho, da real aplicabilidade dos princípios trabalhistas – principalmente o princípio da proteção – ao novo cenário das evoluções sociais e mercadológicas apresentado.
Dessa forma, necessário reacender a discussão acerca da flexibilização das normas trabalhistas para adequação ao ambiente dinâmico e inovador das startups, no contexto da releitura do Direito do Trabalho havido nos últimos anos.