Tema que se tornou de indiscutível relevância é os benefícios acerca da instalação, pelos próprios consumidores, de sistemas de micro ou mini geração distribuída, conectados à rede de distribuição de energia elétrica. Especialmente, quando se trata de edificações prediais ou consumidores que buscam arcar com os custos de instalação e, posteriormente, compartilhar a micro produção energética para vizinhos, condôminos, ou não.
Como se sabe, a produção e distribuição de energia elétrica é classificado em nosso ordenamento jurídico como uma prestação de serviço público, de titularidade do Poder Público, podendo somente ser prestado por ele, ou por particulares, desde que haja a delegação do serviço, através de instrumentos de concessão, permissão ou autorização, legalmente previstos. Por isso, a exploração de energia não é considerada como uma atividade econômica, passível de exploração pelos particulares.
Todavia, o avanço da tecnologia de sistemas de energia fotovoltaica obteve o reconhecimento por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”), que buscou criar diversas regras e condições para a instalação desses sistemas pelos consumidores, de forma a trazer maior segurança no investimento e instalação dos referidos equipamentos, os quais podem ser uma solução à escassez de produção energética em futuro, não muito distante.
A “microgeração distribuída”, conforme definição da ANEEL, é a central geradora de energia elétrica, com potência instalada igual a 75 kW e que utilize cogeração qualificada,ou fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras. A minigeração distribuída, por sua vez, é a central geradora de energia elétrica, com potência instalada superior a 75 kW e menor ou igual a 3 MW para fontes hídricas ou menor ou igual a 5 MW para cogeração qualificada, ou para as demais fontes renováveis de energia elétrica, conectada na rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras.
Para viabilizar a instalação desses sistemas de produção de energia fotovoltaica, determinou-se que as distribuidoras de energias devam adequar seus sistemas comerciais e elaborar ou revisar normas técnicas para melhor adequação da instalação de microgeração e minigeração distribuída.
Além disso, previu-se a regulamentação de um sistema de compensação de energia elétrica, viabilizando que a energia ativa produzida, e não utilizada pelo consumidor, seja “injetada” ao sistema de distribuição de energia elétrica, administrada pela concessionária de energia, cedida a título de empréstimo gratuito para a distribuidora. Após a cessão, que será realizada sem a necessidade de maiores formalizações, a unidade consumidora passa a ter um crédito da energia ativa fornecida, passível de ser utilizada no prazo de 60 (sessenta) meses.
No caso, podem aderir ao sistema de compensação de energia elétrica os consumidores responsáveis por unidade consumidora: (i) com microgeração ou minigeração distribuída; (ii) integrante de empreendimento de múltiplas unidades consumidoras; (iii) caracterizada como geração compartilhada; (iv) caracterizada como autoconsumo remoto.
Para a ANEEL “empreendimento com múltiplas unidades consumidoras” é caracterizado pela utilização da energia elétrica de forma independente, no qual cada fração com uso individualizado constitua uma unidade consumidora e as instalações para atendimento das áreas de uso comum constituam uma unidade consumidora distinta, de responsabilidade do condomínio, da administração ou do proprietário do empreendimento, com microgeração ou minigeração distribuída, e desde que as unidades consumidoras estejam localizadas em uma mesma propriedade ou em propriedades contíguas, sendo vedada a utilização de vias públicas, de passagem aérea ou subterrânea e de propriedades de terceiros não integrantes do empreendimento.
“Geração compartilhada”, por sua vez, é caracterizada pela ANEEL como a reunião de consumidores, dentro da mesma área de concessão ou permissão, por meio de consórcio ou cooperativa, composta por pessoa física ou jurídica, que possua unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída em local diferente das unidades consumidoras nas quais a energia excedente será compensada.
“Autoconsumo remoto” é caracterizado por unidades consumidoras de titularidade de uma mesma Pessoa Jurídica, incluídas matriz e filial, ou Pessoa Física que possua unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída em local diferente das unidades consumidoras, dentro da mesma área de concessão ou permissão, nas quais a energia excedente será compensada.
Assim, considerando que a produção de energia, para consumo próprio, autorizada nos termos das normas regulatórias da ANEEL, não pode, a princípio, ser “vendida” pela unidade consumidora, nem o respectivo equipamento ser simplesmente “alugado” para outros terceiros interessados, inevitavelmente, surge uma insegurança ao consumidor sobre como proceder ao compartilhamento da energia produzida.
Neste caso, o compartilhamento de energia não pode ser estruturado de tal forma que se confunda com a “venda de energia”, cuja atividade é exclusiva do Poder Público ou de seus concessionários de energia, por se tratar de um serviço público. Por outro lado, o “aluguel” ou “arrendamento” do equipamento pertinente à produção, consoante a normatização civilista, também não é meio próprio para tanto, por ser incompatível com as condições de autorização da produção pela ANEEL.
Para viabilizar o compartilhamento da energia, por aquele consumidor que realizou o investimento, para outros interessados, será necessária é a elaboração de um instrumento jurídico de compartilhamento e compromisso de solidariedade de micro (ou mini) geração distribuída em sistema de geração compartilhada (ou de empreendimento de múltiplas unidades consumidoras), cujas cláusulas e definições devem resguardar diversas disposições de normas regulatórias da ANEEL.
Por isso, trata-se de instrumento misto, de natureza público e privada, que não pode confundir com venda de energia, nem simples aluguel ou arrendamento de equipamento, sob pena de inviabilização do negócio e do pretendido compartilhamento.
Murilo Melo Vale